Coração de Herói

Atualizado em 09/11/2024 as 12:37:20

Fato ocorrido em 1977.

Era um belo dia de domingo quente e ensolarado. O ar da cidade estava em festa. As famílias saíam cedo para o lazer em diversos pontos de Brasília, naquela época, não tão populosa quanto nos dias atuais. O sargento e sua família também se preparavam para sair e aproveitar o dia maravilhoso. Decidiram ir ao Zoológico. O alarido feliz de seus filhos era agradável aos ouvidos do militar e aos de sua mulher, ambos se deliciando em observar a pueril expectativa das crianças, em poder ver o elefante, o leão, o hipopótamo, a onça e outros animais que fascinavam sua fértil imaginação. Com um suspiro de satisfação, o sargento acomodou os seus em seu velho, usado, mas bem cuidado automóvel e tocou para o Zoo, antevendo os momentos deliciosos que desfrutariam juntos. Então, no fim do dia, retornariam ao lar, aproveitando lado a lado, as últimas horas do final de semana que estaria a findar.

Ao chegar ao local, enfrentaram uma quilométrica fila de carros. A mesma, não conseguiu afetar o bom humor do qual estavam imbuídos. Quase uma hora depois da chegada estavam caminhando pelas agradáveis alamedas do Zoo, visitando as jaulas de diversos animais e aves. As crianças lançavam ao ar gritinhos de alegria e espanto ao avistarem os bichos de seu interesse e liam com avidez as plaquinhas que explicavam sobre os animais, habitat e seus modos de vida. O Zoo estava cheio de gente, famílias inteiras que ali estavam para passear e se divertir. Para mitigar o forte calor do dia, o sargento comprou sorvete para si e os demais. Foram caminhando com vagar, indo em direção à outra área onde poderiam ver outros animais. De repente, gritos estridentes chamaram a atenção do sargento e de seus familiares. Um garoto que imprudentemente andava se equilibrando na grade que separava o fosso das ariranhas do público, escorregou e caiu lá dentro, em meio à água suja e revolta cheia de pequenas, mas ferozes criaturas, num ulular assustador que se moviam como ondas em um oceano de carne sacudido por uma violenta ressaca. Fatalmente, a criança morreria se entregue à sanha daqueles animais enfurecidos, uma vez que no fosso também havia uma fêmea prenhe, aumentando a atmosfera de estresse e irritabilidade ali reinante.

Que sentimentos animaram o sargento e o impeliram a deixar a família entregue a si mesma e a se lançar no fosso sem titubear para salvar a criança em perigo? Só podemos imaginar que um poderoso senso de dever tomou conta de seu espírito! Tão forte que foi superior ao natural instinto de conservação que faria a cada um de nós refletirmos mil vezes antes de arriscar a própria vida em um ato tão extremo! A verdade é que o militar salvou a vida da criança, mas acabou perdendo a sua, vitimado por uma infecção generalizada ocasionada pelas contundentes mordidas das ariranhas encolerizadas, fato somado ao contato de seu corpo com aquela água infecta no interior do fosso. Mesmo levado rapidamente para o hospital, faleceu em poucos dias, deixando viúva sua mulher e órfãos de pai, seus filhos pequenos.

Assim são os heróis! Esquecem-se de si mesmos em benefício dos outros. E o sargento foi um herói na verdadeira acepção da palavra! Seu exemplo de altruísmo e coragem norteou a vida de seus filhos, inclusive em suas escolhas profissionais quando adultos. O mais velho se tornou médico militar e se dedicou a salvar vidas. A cidade homenageou o sargento herói, erigindo um busto do militar feito de bronze na entrada do Zoológico, além de ter dado seu nome aquele local de lazer e visitação. Mesmo que hoje poucos se lembrem daquele sinistro incidente, o sargento vive na memória daqueles que o amaram. Será para sempre um exemplo de homem íntegro, pai amoroso e marido amado. Coração de homem! Coração de herói!

Luca Fiuza, Brasília, DF, é professor de História, quadrinista e escritor. Um Livre Pensador.

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2 Comentários
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Genecy de Souza
Genecy de Souza
27/06/2024 0:43

Lembro perfeitamente desse caso. Na época, eu estudava em um colégio de padres, de modo que o exemplo de altruísmo do sargento serviu de mote para um dos padres nos falar que, em certas situações, o desejo de servir ao próximo, ainda que sob risco de morte, é algo valoroso. Mas não é qualquer pessoa que possui essa virtude.

Luiz Alberto F. dos Santos
Luiz Alberto F. dos Santos
Responder a  Genecy de Souza
10/12/2024 10:14

Meu prezado! Só tenho a agradecer suas palavras. Meu objetivo de enaltecer o sargento herói e mostrar que seu ato desprendido nunca deve ser olvidadado foi alcançado. Gratidão.

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