Atualizado em 05/06/2024 as 16:03:39
Que lindo! Ler poesia na escola. A criançada agitada com meu talento literário. Um sonho! Meninas de saia azul, meninos imberbes, todos ali, me olhando como se eu fosse uma espécie de alienígena. Afastei a cadeira do professor, bati com o joelho na quina da mesa, e antes de soltar o primeiro verso, gritei “Caralho!”. A professora pigarreou, abaixou a cabeça demonstrando vergonha alheia. A diretora na porta, deu uma desculpa e saiu correndo. A molecada riu. Ao menos aqueles que perceberam, que não estavam de olhos grudados no celular embaixo da carteira. A mestra pediu que eu falasse um pouco de mim, e comecei por dizer que pouco importa o que sou, o que fui, mas que, sim, que minha poesia lhes tocasse de alguma forma. Li o primeiro verso, e quando a última palavra foi “trabalho” percebi um sorriso cúmplice nos lábios da professora, que era de História. O poema seguiu. O segundo verso rimava com o primeiro terminava com “caralho”, e o sorriso desapareceu dos lábios da educadora, com a mulher inquieta, apanhando um giz e escrevendo uma frase qualquer, se não estou enganado uma citação atribuída a Brecht. As meninas riram, os moleques não se importaram, concentrados em seus celulares. Prossegui, mas assim que terminei o poema, cujo final verso era: “Falam por aí com a boca cheia de alheio dinheiro.”, que rimava com o anterior: “Que arte é coletivo, que seu mestre é companheiro,” a balburdia foi geral. Entrou um professor, que por seu ar furioso e austero parecia ser de Matemática, mas que se identificou como sendo de Português, usando uma camiseta vermelha com um vulto pintado, que eu não tive tempo de perceber de quem se tratava, apertou meu braço e me colocou para fora. “Fascista de merda!” gritou. “Filho da puta”. “Gado”. “Nazista”. Na porta da escola, ainda sangrando, peguei minhas folhas de papel, limpei o rosto e saí andando. Na esquina, um moleque de uns doze anos, usando tênis importados entregava papelotes a alguns estudantes, sob o olhar indiferente de dois policiais dentro de uma viatura branca, que parecia mais um táxi. O cheiro de maconha empesteava a rua e um casal de adolescentes transava encostado no muro da escola, onde estavam pichadas frases sem sentido. Realmente, a escola não é lugar para a minha poesia, menos ainda para mim. Sai dali muito machucado, mas certo que não mais nada eu tinha que fazer na escola. Nunca gostei, mesmo. Sempre soube, desde quando era espacado diariamente com uma régua por uma professora gorda, de unhas enormes pintadas de vermelho, e que foi apanhada trepando com um professor de desenho que era tido como bicha, que meu lugar era outro. Sai cantarolando uma música do Pink Floyd: “We don’t need no education, we dont’ need throught control.” Ufa! Foi só um sonho!
08/11/2019
Barata Cichetto, 1958, Araraquara – SP, é poeta, escritor. Criador e Editor do Agulha.xyz e Livre Pensador.