Bases: Concepção de Luiz Fiuza. Inspiração: Livro First Blood de David Morrell, 1972 e principalmente do filme First Blood de 1982.
Parte I
A velha caminhonete foi se aproximando lentamente da bodega localizada na poeirenta rua principal daquela tristonha cidadezinha do meio oeste americano, mais precisamente, no estado Oregon. Desta forma, assim que o veículo estaciona, dele salta um homem grande, de seus setenta e poucos anos. John Rambo é seu nome. Olha em torno, ligeiramente, sondando as imediações. Ar desconfiado. Feições duras e impassíveis! A passos largos, adentra naquele estabelecimento de aparência decadente.
No balcão, o dono do local, alentado em carnes, careca de meia idade, conhecido simplesmente como Ed, levanta o olhar ao ouvir o sininho da porta e diz em voz arrastada:
– Rapaz! Nestes oito anos que você mora nas imediações desta cidade é a primeira vez que recebo uma correspondência para você!
Silenciosamente, Rambo estende a mão e pega o envelope entre os dedos de Ed, colocando-o no bolso do velho casaco de estilo militar. De outro bolso da surrada indumentária, Rambo entrega uma lista de compras a Ed, se dirigindo ao outro de maneira lacônica:
– O mesmo de sempre, Ed. Só acrescente um martelo, serrote e uns pregos. Também um alicate grande.
Ed coça a cabeça e pega nas prateleiras o que foi pedido, acondicionando tudo em uma caixa.
Rambo paga e sai carregando a caixa com os gêneros e as ferramentas. Entra na caminhonete. Tira o envelope do bolso e o joga dentro da caixa acondicionada no banco do passageiro. Manobra o veículo e pega a estrada de volta a casa. Dirige por alguns metros. No meio do trajeto detém a caminhonete repentinamente! Relutante, tira o envelope da caixa.
Abre-o com lentidão, imaginando como alguém o teria descoberto em um lugar tão isolado! Desdobra a carta e lê seu conteúdo. Como reação demonstra apenas um estreitamento dos olhos. Sem terminar a leitura, atira envelope e carta de volta na caixa de gêneros e ferramentas! Rambo engata a primeira e toca para sua morada, distante alguns quilômetros da pequena cidade. Chegando a casa, construída por ele com suas próprias mãos, estaciona a caminhonete sob um arvoredo próximo. Pega a caixa e vai guardar as mercadorias recém-adquiridas. Mais tarde, após uma refeição frugal, se acha sentado em sua poltrona diante da tv que transmite um documentário antigo sobre a Guerra do Vietnam. Em verdade, o ex-combatente nem está prestando atenção ao programa, mergulhado em sombrios pensamentos, relacionados justamente a este terrível período da história americana! Ele vive assombrado pelos fantasmas do Passado que teimam em emergir dos recônditos de sua memória para atormentá-lo! Em uma das mãos, está a carta! Então, mais uma vez e repetidas vezes a lê, sem acreditar no que ela diz! Em um repelão, a joga sobre a mesinha à sua frente, meio amassada pelo manuseio, ao lado do envelope aberto. Fica ali a cismar, enquanto as sombras da noite que chega se avolumam e a programação da televisão muda, imperceptivelmente para ele, perdido em devaneios!
Hope! Uma cidade parada no tempo! Mudanças mínimas! Dia gélido. Delegacia pouco alterada em suas características básicas. Rambo se encontra próximo à porta, meio que indeciso! Neste instante, o Xerife Mitch sai. Ao ver Rambo, ali parado, seu rosto se ilumina. Ele exclama:
– Rambo! Sinceramente, não pensei que viesse! Não sei como agradecer! Porra! Quer saber? Depois de todo este tempo você ainda impõe medo! Cara! Você deixou uma baita marca por aqui! Até hoje falam de você! Ainda tem gente daquela época que nunca esqueceu, você acredita?
Rambo olha para Mitch e lacônico, retruca simplesmente:
– E Teasle? Está lá dentro?
– Não, não está…! Venha! Te pago um café. Precisamos conversar. Fico imensamente feliz com sua vinda, Rambo! Não sabe como aprecio isto! Mas vamos ao que interessa! Por acaso, você leu a carta?! Na verdade, eu sou apenas um intermediário! Will escreveu a carta! Ele quer te ver!
Os dois homens saem da delegacia e se dirigem até um Café próximo. Escolhem uma mesa em um canto mais reservado. Mitch pede à linda garçonete dois cafés pretos sem açúcar. Enquanto esperam, Rambo se dirige a Mitch:
– Pensei que Teasle estivesse na Delegacia…! Talvez em algum trabalho interno…!
– Não…! Acho melhor você ver por si mesmo. Vou levá-lo até a casa de Will.
Mitch detém a viatura diante da residência de Teasle. Will se acha na varanda em cadeira de rodas. Velho, debilitado! PARAPLÉGICO! Rambo aproxima-se ladeado por Mitch. Will Teasle vagarosamente encara Rambo e diz com sinceridade na voz:
– Não pensei que atenderia ao meu chamado, soldado!
– Bem, vocês devem ter muito para falar. Will, vou pegar uma cerveja lá dentro!
– Você sabe onde fica tudo, Mitch. Quer uma cerveja, Rambo?
– Não. – Sem rodeios, Teasle começa a falar:
– Rambo… preciso de sua ajuda e acredito que só você seja capaz de realizar esta incumbência. Ouça, soldado…! Tenho um filho! Ele é a luz da minha vida! Eu o criei e o vi crescer! Ele como você, se tornou soldado e as guerras do Oriente Médio o levaram para longe de mim! Depois que voltou do exterior, esteve aqui por pouco tempo. Logo partiu outra vez. Me escrevia, ainda que ocasionalmente. Em seu último contato, morava em El Paso. Disse que estava trabalhando com um amigo que combatera com ele no Iraque e na Síria. Então, de repente, parou de escrever! Tenho algumas pistas meio fugazes! O que peço a você é que siga estas pistas! Forneço todo o suporte financeiro e logístico de que precisar! Traga meu garoto de volta, Rambo! Só você é capaz disso! Você é capaz de entender o que sinto?
Rambo permanece calado e estático diante de Teasle. Voz de Will Teasle embargada.
Faz uma pausa. Olhos marejados. Após uma inspiração profunda, prossegue:
– Olha, Rambo…! Tivemos nossas diferenças no passado! Pior que isso! Tivemos um combate, no fim uma verdadeira guerra! Acreditava que eu agia no interesse da cidade. Você era o tipo de gente que não queríamos por aqui! Entende isto, soldado?! Assim que te vi não fui com tua cara! Tudo que eu via era um vagabundo saído não sei de onde! Eu não podia aceitar! Não na minha cidade! Na minha cidade! Ahh! Me sacrifiquei por esta cidade! E o que ganhei no fim das contas? Para minha surpresa e decepção, depois que virei um inválido fui jogado de lado! Então, em cima de uma cama por anos a fio! Sentado para sempre em uma maldita cadeira de rodas, eu tive tempo de sobra para pensar, refletir sobre minhas ações e decisões! Quando te prendi fechei os olhos e deixei Art Galt abusar de você! O que era você, afinal? Apenas um ninguém! Mais um andarilho de estrada! Quem se importaria? Então, quando você fugiu de nós, eu botei na cabeça que eu ainda podia te dominar! Te prender! Trazer você algemado! Recuperar meu orgulho ultrajado! Daí, Galt morreu naquele acidente infeliz! Ao ver o corpo de Art destroçado nas pedras quis vingar a morte dele, metendo uma bala na sua cabeça e trazendo sua carcaça como um troféu! O miserável do Trautman me avisou! Mas eu não quis ouvir!
De certa maneira, também sou culpado! Eu te provoquei e você desencadeou uma guerra que quase arruinou Hope e liquidou comigo de vez! Ah, Rambo! Eu percebo hoje o quanto errei! Eu, Galt, Mitch! Meus subordinados! Maldição! Mas você pagou caro, também! Mais de vinte anos de prisão! Eu vi no noticiário!
Quer saber mais? Por muitos anos eu te odiei! Oh, Deus! Como te odiei! Mas isto acabou! E peço a sua ajuda, agora! O que me diz, Rambo? Eu já perdoei! Só posso contar com você!
Rambo responde, de maneira direta, sem rodeios:
– Me dê todas as coordenadas!
El Paso. Rambo estava em um bar. Achava-se sentado diante de um homem de ar nervoso. Ambos sentados em um canto. No interior do local, o ambiente era enfumaçado e penumbroso. A freguesia se encontrava espalhada pelo ambiente a conversar em voz alta e a beber, de cerveja a tequila. Rambo e o homem conversavam em tom reservado. O indivíduo em questão era um ex-combatente das Guerras do Oriente Médio. E por conseguinte, amigo do filho de Teasle. O indivíduo beberica um copo de cerveja. Rambo tomava água mineral. Seus gestos eram bruscos, quase aos trancos! Como resposta aos questionamentos de Rambo, o sujeito retruca:
– Depois que demos baixa, nunca mais soube do Ricky Teasle! Este papo de que ele escreveu ao pai dele falando que estava trabalhando comigo é mentira! Entendeu? É mentira!
– Ricky Teasle então, jamais esteve em El Paso…!
– Sei lá se esteve, porra! Já te disse que eu não sei dele! Ele nunca me procurou!
– Soube que ele esteve nesta cidade por um tempo…!
– Tô sabendo disso agora, cara! Eu já te disse que…!
– Você nunca mais o viu…! – o camarada balançou a cabeça, afirmativamente!
Sem mais delongas, Rambo joga uma grana na mão do homem! Após este gesto, se levanta da mesa e vai embora, sem olhar para trás!
CONSEGUIRÁ RAMBO CUMPRIR A MISSÃO CONFIADA A ELE PELO EX-XEREIFE DE HOPE, WILL TEASLE? CONSEGUIRÁ O EX-COMBATENTE DO VIETNAM ENCONTAR O FILHO DE TEASLE? SÓ O TEMPO O DIRÁ!
Produção original de: 23/08 a 18/10/20. / Republicação no Facebook: 28/11/24 com ajustes no enredo.
Luca Fiuza, Brasília, DF, é professor de História, quadrinista e escritor. Um Livre Pensador.
Queria há muito tempo criar minha própria continuação do Rambo I em uma trama diretamente ligada às consequências dos atos do ex-combatente em Hope, ainda que de certa forma ele tenha sido levado pelas circunstâncias a promover uma guerra particular contra o Xerife Wlll Teasle. Talvez, se o soldado tivesse partido em vez de voltar à cidade, as coisas não teriam tomado o rumo explosivo que conhecemos! Por outro lado, se Rambo a baixasse a cabeça seria mais uma humilhação dentre as tantas que os ex-combatentes sofreram ao voltarem derrotados de uma guerra que não era deles e para lutar por uma Pátria que os renegou no fim das contas.