Satânia e o Escritor Fantasma

Atualizado em 03/08/2024 as 22:23:02

Olavo Villa Couto sabe contar histórias como poucos.

Recém saído de uma leitura de um outro livro seu – O Jorro –, posso dizer que já saquei a pegada do escritor. Olavo não é um desbravador daquilo que chamo de literatura do submundo, material ou não. Outros tantos seguem (ou seguiram) pela mesma trilha, cada um no seu estilo. Alguns encontraram fama e fortuna. Alguns, reitero. Quanto ao resto cabe uma vida obscura. A depender de onde se olhe, isso pode até ser uma vantagem.

Satânia, diz o comecinho da nota de orelha do livro, é “filha não reconhecida de Anton Lavey, lendário fundador da Igreja de Satan em 1966 e de uma hippie, que, quando retornou ao Brasil, se tornou prostituta, guerrilheira e esposa de um pastor protestante, para o qual inclusive perdeu a virgindade.” Na verdade, Satânia nasceu de mais um dos jorros de Olavo. Ele apenas se deu ao trabalho de encontrar os pais, a época e os cenários das aventuras de seu rebento. Não adianta tentar me enganar, Sr. Villa Couto! (risos).

A julgar pela época em que foi concebida – 1966 – Satânia é um exemplo da contracultura, do Poder da Flor, do Sol da Califórnia, onde tudo é de todos e ninguém é de ninguém. Sexo, drogas & rock and roll anunciando a Era de Aquário, que vai começar sabe-se lá quando. Paz e Amor era o slogan master. Na prática, nem uma coisa nem outra, mas a música era ótima, creiam-me.

Não é segredo dizer que as mulheres são fundamentais nas narrativas do autor. Além de Satânia, a voluptuosa Hecaté, dona de uma casa de massagens onde tudo acontece. Olavo Villa Couto é, de certa forma, uma espécie de homem-objeto – ou seria escritor-objeto? – manipulado pelas duas mulheres. Deixo para você, leitor desta resenha, a tarefa de descobrir o que acontecerá ao escritor-fantasma; não vou facilitar.

Não é minha praia descrever um livro, mas gosto de expor minhas impressões. Villa Couto sempre faz questão de dizer de onde veio, bem como os seus feitos. Essas memórias fundem-se muito bem com as aventuras e desventuras dos demais personagens. Embora o universo do autor abranja o submundo, ele possui, digamos, uma certa moral político-ideológica ao expor de forma crítica a sua aversão ao comunismo, essa ideologia genocida que vergonhosamente continua na moda. O autor é um libertário por natureza. Olavo também não deixa barato outros fatos históricos que balizam muito bem a saga de Satânia até estes tempos da comunicação instantânea e de contradições extremas.

Concluo que Satânia é um daqueles livros em que o enfado e aquela vontade de deixá-lo de lado simplesmente não existem. Ele possui uma densidade psicológica bem armada, que poderia funcionar como roteiro de cinema. Villa Couto sabe como poucos desenhar cenas, cenários, pessoas e situações, sem aqueles nós de narrativas e variantes literárias, que cansam ou desviam a atenção do leitor. São páginas que instigam o raciocínio, frutos da imaginação fértil de um escritor que foi ao submundo e o descreve de maneira realista, ora abjeto, ora estranhamente encantador.

Satânia
(Memórias de Uma Santa Escritas Por Um Fantasma)
Olavo Villa Couto
222 Páginas
16 x 23 cm
UICLAP

Genecy Souza, de Manaus, AM, é Livre Pensador.
Possui textos publicados na revista digital PI Ao Quadrado e na revista impressa Gatos & Alfaces.

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