Atualizado em 27/07/2024 as 19:33:50
Eu não lembro muito bem de onde vem esse meu asco a ditadores – qualquer um, seja de direita, de esquerda, de Deus ou o que for – Desde sempre ficou bem claro em mim uma coisa: NÃO EXISTE BOM DITADOR. Ponto. Um ditador sempre tira mais do que dá; sempre recebe mais do que oferece. A troca é sempre injusta. A História mostra que muitos ditadores primeiramente se apresentam como libertadores, guias espirituais, senhores das (e de) virtudes. Quando vencedores de guerras, revoluções, golpes de estado, ou até mesmo de um processo eleitoral democrático ou fraudulento (alô, Nicolás Maduro!) esses seres “iluminados” quase sempre possuem uma característica inerente a poucos: o carisma. Some-se a isso, o poder de convencimento, a capacidade de defender argumentos esdrúxulos, a frieza articuladora de estratégias para silenciar e dar sumiço em seus opositores reais ou imaginários.
Há ditadores cujos nomes causam imediata reação justificadamente reprovativa: Hitler, Mussolini, Augusto Pinochet, Jorge Videla, Antônio Salazar, Francisco Franco, e tantos outros carimbados com o rótulo de direita/extrema direita em suas testas. Eu também aplico carimbadas vigorosas nessas testas atestadoras de desastres de toda ordem, que ainda se fazem sentir décadas após suas mortes. Todas as punições imagináveis não seriam o bastante para puni-los adequadamente. Tivessem eles mil vidas, mil vezes seriam atirados ao fogo eterno. Simples assim.
Por outro lado, há outro grupo ditadores tão asquerosos quanto os citados no parágrafo anterior. Citar negativamente seus nomes em rodas de conversa pode dar início a toda uma série de reações, que vão da simples ignorância à negação de seus crimes. Eis alguns desses nomes: Lenin, Stalin, Mao Tse Tung, Fidel Castro, Nicolae Ceasusescu (Romênia), Erick Honecker (Alemanha Oriental). Como se observa, esses seres desprezíveis estão agrupados na esquerda/extrema esquerda. É tarefa árdua debater seus governos despóticos sem ter que ficar a ouvir uma série de senões atenuantes; reparos estampados em frases como: “ora, veja bem”, “por outro lado”, “ele era um homem de seu tempo”, “apesar de tudo seus feitos superaram seus erros”, “não foi bem isso que aconteceu”, “se não fosse ele teria sido bem pior”. Sei disso, pois já presenciei debates que levavam a essas considerações benevolentes. Também, já tive embates nos meus tempos de Orkut e Facebook — Semeei em terreno estéril. Com o acirramento das relações humanas nas redes sociais nos últimos anos, esses debates se tornaram uma caso de guerra (virtual) aberta, que resulta nos já cotidianos cancelamentos.
Nos últimos anos o mercado editorial brasileiro tem lançado livros que abordam, além de escancararem os subterrâneos do regime desses déspotas de esquerda. Sabe-se que ainda falta muita coisa, mas os livros já disponíveis colocam a nu em praça pública personalidades que são, velada ou abertamente, veneradas por um elite cultural atuante em vários setores da sociedade. Lamentavelmente, a imprensa cultural parece que não dá muita importância a isso; não se vê muita publicidade e, claro, debates. No caso das livrarias virtuais, salvo erro de avaliação meu, os algoritmos trabalham a favor do leitor, de modo que novos títulos são oferecidos para compra. No meu caso, os algoritmos até que foram gentis.
Ironicamente, a livraria virtual é uma seção do site da Amazon, um dos tentáculos das famigeradas Big Techs. Ela, com ajuda de seus algoritmos, esses sabujos que tudo farejam, para o bem ou para o mal, me ofereceu o livro A Grande Fome de Mao, de Frank Diköter (Editora Record, 2020), o qual aborda com mais detalhes a inimaginável catástrofe humanitária que assolou a China no período de apenas quatro anos (1958 a 1962), tendo como mentor o ditador (podem chamá-lo de presidente, se quiserem) Mao Tse Tung, que governou o país de 1949 a 1976, ano de sua morte.
Mao era um homem obstinado, sabia bem o que queria e como agir para fazer valer suas vontades, nem que para isso precisasse se valer de todos os métodos disponíveis, incluindo os mais abomináveis. Como todo déspota ele era dado a delírios de proporções napoleônicas. Para a realidade chinesa esses delírios eram elevados ao cubo. O Grande Salto Adiante, como ficou conhecida sua política de transformar seu atrasado e populoso país em uma potência agrícola e industrial, cuja meta era alcançar – e até superar – a Grã-Bretanha em menos de 15 anos — seu colega soviético Josef Stalin possuía a mesma ambição, mas o alvo eram os EUA –. Para isso, Mao tinha um ativo abundante: mão-de-obra numerosa, dócil, manipulável, e praticamente gratuita. Evidentemente, o líder chinês encontrou resistências dentro do partido comunista, inclusive de seus companheiros da Grande Marcha. Entretanto, ao fazer uso da arte de manipular pessoas e situações a seu favor, ele conseguiu colocar em prática suas ideias revolucionárias.
Como se sabe, a utopia do Grande Salto Adiante acabou se transformando no Grande Salto ao Desastre econômico e, sobretudo humano. Mao implementou com mais intensidade a coletivização das terras, além de outras práticas marxistas de transformação social revolucionária, cuja influência se fez sentir no mundo inteiro. Vale também acrescentar os desastres naturais e ecológicos causados pela falta de conhecimento técnico e planejamento adequados, afinal, o presidente tudo sabia, e sua palavra era lei.
Nestes tempos em que as pessoas arregalam os olhos ante o crescente poder geopolítico da China, e das duras lições aprendidas com advento da pandemia do vírus chinês, A Grande Fome de Mao é o que se pode chamar de leitura obrigatória. Nele, os milhões de mortos da tragédia do Grande Salto Adiante têm direito ao “lugar de fala”. Também, é possível obter uma maior discernimento sobre como certas tragédias podem ser perfeitamente evitáveis nos dias de hoje (alô, Nicolás Maduro, de novo!) apenas conhecendo os fatos históricos ocorridos a tão pouco tempo, provando, mais uma vez, que não se deve depositar total confiança em projetos mirabolantes saídos da boca de personalidades dotadas do dom do convencimento, afinal, existem muitos Maos espalhados por aí.
Por fim, aproveito para dar uma carimbada na vasta testa de pai da Revolução Chinesa: GENOCIDA!
Tenha o seu.
13/02/2021
(Texto Publicado Originalmente no Extinto Site “BarDoPoeta, em 2020)
A Grande Fome de Mao
Frank Dikötter
Editora Record, 2017
532 Páginas
22.6 x 15.2 x 3.2 cm
Comprar: Amazon
Genecy Souza, de Manaus, AM, é Livre Pensador.
Possui textos publicados na revista digital PI Ao Quadrado e na revista impressa Gatos & Alfaces.