Imagem Criada Com IA (Firefly Adobe)

Banalidades no Código Binário

Atualizado em: 28/07/2024, as 04:07

Em Neon Nexus, onde os arranha-céus se fundiam com as nuvens e os anúncios holográficos piscavam como olhos famintos, havia um lugar chamado Café Byte. Era um cubículo apertado, com paredes de metal enferrujado e um balcão manchado de café. As cadeiras eram desconfortáveis, e o ar cheirava a fumaça de cigarro eletrônico.

Uma hacker de cabelos ciano e olhos cibernéticos, frequentava o Café Byte todas as manhãs. Ela se sentava no canto mais escuro, onde a luz não alcançava, e pedia um café preto. O garçom, um androide com voz monótona, servia a bebida sem fazer perguntas.

Observava os clientes. Eram todos iguais: homens de sobretudo, mulheres com implantes de realidade aumentada. Eles digitavam em seus teclados virtuais, olhavam para as telas flutuantes, como se o mundo real não existisse. E, no fundo, talvez não existisse mesmo.
Um dia, um homem entrou no Café Byte. Ele usava óculos de aro metálico e tinha um tique nervoso no olho esquerdo. Sentou-se ao lado de dela e pediu um chá de camomila. Ela o observou, intrigada. Ele não parecia pertencer àquele lugar.

“Você não é daqui”, disse.
O homem sorriu. “Não, não sou, e estou em busca de algo.”
Ela arqueou a sobrancelha. “O quê?”
Ele olhou para o balcão, onde um rato robótico roía um pedaço de fio desencapado. “Banalidades. Coisas vulgares. O que move as engrenagens do mundo.”
Ela riu. “Você veio ao lugar certo. Aqui, as banalidades são nosso prato principal.”

Ele abriu sua maleta e tirou um chip de memória. “Isso contém todas as conversas inúteis que já aconteceram neste café. Os suspiros, os bocejos, os palavrões. Quero entender por que os humanos se preocupam com essas coisas.”

Ela pegou o chip e o inseriu em seu implante neural. As palavras fluíram em seu cérebro, uma torrente de bits e bytes. Ela viu os rostos dos clientes, ouviu suas vozes, sentiu suas emoções. E, de repente, tudo fez sentido.
“É sobre conexão”, disse ela. “As banalidades nos lembram que somos humanos. Que estamos vivos.”

Ele assentiu. “E sensíveis.”
Ela olhou para o balcão, para o rato robótico, para o garçom androide. “Sim. Mesmo em um mundo de código binário, há espaço para a sensibilidade.”

E assim, continuaram a conversar, trocando banalidades e sensibilidades variadas. O Café Byte nunca mais foi o mesmo. As paredes enferrujadas ganharam vida, e os clientes digitavam com mais cuidado, como se cada palavra importasse.

Ela sabia que havia encontrado algo além do código e dos circuitos. Algo que não podia ser medido em zeros e uns. Algo que fazia o mundo girar, mesmo quando tudo parecia tão artificial.

E, quando ele partiu, deixando o Café Byte para trás, ela soube que havia tocado o inusitado, o corriqueiro e o sublime. E que, talvez, essas banalidades fossem o que tornava a vida verdadeiramente humana.

Renato Pittas, Rio de Janeiro, RJ, é artista plástico, poeta, escritor e Livre Pensador. Autor de Tagarelices: Conversas Fiadas Com as IAs.

COMPARTILHE O CONTEÚDO DO BARATAVERSO!
Assinar
Notificar:
guest

0 Comentários
Mais Recente
Mais Antigo Mais Votado
Inline Feedbacks
Ver Todos os Comentários

Conteúdo Protegido.
Plágio é Crime!

×