Em tempos em que termos como “Fake News” estão em todos os lugares, ditos e repetidos à exaustão, e quando pessoas são punidas por uma mera opinião, tachada como “Fake News”, a verdade passa a ter como dono o interesse político, arbitrado em cortes supremas à revelia dos fatos. Achamos que tudo começou agora. De fato, as “notícias falsas” existem há muito tempo. Creio que sempre existiram, mas com a criação da imprensa, que sempre se afirmou como isenta e livre, mas sempre primou pelos próprios interesses financeiros, os fatos passaram a ser tratados de acordo com esses interesses, ditados e pagos pelos poderosos que os sustentam.
Um exemplo clássico de “fake news” aconteceu há quase 90 anos, com a adaptação de um livro para uma transmissão de rádio. Embora tenha realmente causado algum susto e apreensão, foi transformado em pânico real pelas notícias publicadas nos jornais nos dias seguintes. Ou seja, o pânico maior não foi pelo “fato”, mas pela forma como foi tratado pela mídia. Se alguém associa isso ao que ocorreu durante a Pandemia e as últimas eleições no Brasil com a “Guerra dos Mundos” de 1938, está completamente correto.
The War of the Worlds (A Guerra dos Mundos) é um romance de ficção científica de Herbert George Wells (H.G. Wells), um escritor britânico membro da Sociedade Fabiana, publicado em capítulos primeiramente em 1897 no Reino Unido pela Pearson’s Magazine e lançado como um romance no ano seguinte.
A história narra a invasão da Terra por marcianos inteligentes, equipados com um poderoso raio carbonizador e máquinas assassinas (Tripods), semelhantes a depósitos de água sobre tripés. Foi adaptado diversas vezes para o cinema, destacando-se a versão de 2005, dirigida por Steven Spielberg, com Tom Cruise, Dakota Fanning e Justin Chatwin nos papéis principais.
No dia 30 de outubro de 1938, quando ainda não existia a televisão, e a mídia importante e quase única eram os jornais impressos, com o rádio tomando dia a dia o protagonismo, Orson Welles, um ator, escritor e radialista norte-americano, talvez encantado com a semelhança de seu sobrenome com o do autor inglês, decidiu fazer uma dramatização radiofônica da história, fazendo com que esta fosse considerada a mais famosa, pelos reflexos e consequências dela.
Welles, que mais tarde dirigiria “Cidadão Kane”, reescreveu o enredo para narrar a invasão como boletins jornalísticos. A transmissão, pela rede CBS, no programa semanal Mercury Theater on the Air, adaptou o livro em forma de programa jornalístico, com reportagens externas, entrevistas fictícias, opiniões de peritos e autoridades, efeitos sonoros, sons ambientes e gritos. Tudo isso dava a impressão de que o evento estava sendo transmitido ao vivo. “A Invasão dos Marcianos” durou apenas uma hora, mas marcou definitivamente a história do rádio.
A dramatização fez com que muitos ouvintes nos Estados Unidos acreditassem que a invasão era real, causando pânico em Nova Jersey e depois em outras regiões. Milhares de ligações foram feitas para a polícia, pessoas saíram às ruas armadas e até dispararam contra uma caixa d’água, pensando ser um dos trípodes. Embora a emissora tivesse avisado várias vezes que era uma dramatização, e apenas cerca de 5.000 pessoas estivessem ouvindo naquele momento, os jornais do dia seguinte relataram um pânico generalizado. O jornal Daily News resumiu na manchete: “Guerra falsa no rádio espalha terror pelos Estados Unidos”.
Na verdade, o pânico maior não foi em função da transmissão do programa, mas sim pelas notícias dos dias seguintes. Ou seja, o pânico sobre o pânico, que foi infinitamente maior maior que qualquer preocupação ou pânico real que ela realmente tenha causado. Claro, pessoas ficaram preocupadas, algumas ligaram para a polícia para perguntar se estava tudo bem, e muitos outros para reclamar do conteúdo da transmissão. Houve medo, afinal, “Guerra dos Mundos” é uma história de terror. Houve tensão, mas nada, nada no nível que foi relatado nos jornais. Nada no nível que você provavelmente já leu ou ouviu falar.
Entretanto, a versão mais dramática e exagerada dessa história não só se tornou a mais popular, como há quem jure que realmente aconteceu, há quem garanta que conheceu pessoas que entraram em pânico, que viram todo o caos se desenrolar nas ruas.
Mas, por que? Que interesse teriam os jornais para noticiar pânico e tragédia sobre algo que efetivamente não acontecera, ao menos não da forma como foi tratada? Acontece que, naquele período, o jornal impresso estava perdendo espaço para o rádio, e assim o programa foi visto pelos jornais como uma oportunidade de atacar a nova mídia, tentando demonstrar a irresponsabilidade dessa nova tecnologia.
Por isso, muitos jornais exageraram, e muito, nas notícias sobre os efeitos da transmissão, na tentativa de levantar um clamor popular pela censura da rádio. As notícias posteriores, exageradas e sensacionalistas, superaram a verdade. E o exagero se tornou história, alterando até mesmo a percepção de realidade de algumas pessoas.
Orson Welles, apesar de inicialmente prejudicado pelo exagero, utilizou a publicidade gerada para impulsionar sua carreira, tornando-se uma figura proeminente no cinema e no rádio. Ele revolucionou a narrativa radiofônica e, posteriormente, a cinematográfica.
“O histórico da transmissão de rádio de Guerra dos Mundos é tão fascinante quanto a própria história, e é por si só um espelho da ansiedade que vivemos hoje. Com a realidade cada vez mais frágil, cada vez mais manipulada, sendo cada vez mais difícil saber o que é verdade e o que é fake News.
A transmissão de Welles nos lembra de que nem mesmo a nossa realidade é uma segurança. Se não queremos nos tornar vítimas de catástrofes como aconteceu com os humanos da história, ou então causar horrores, como os marcianos que chegaram aqui, precisamos tomar cuidado com aquilo que tomamos por verdade.”
Escrito e Publicado em: 29/06/2024
Alguns trechos deste texto, entre aspas, foram veiculados no vídeo sobre “Guerra dos Mundos”, do canal “Central Pandora”, do Youtube.
Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador.
O Orson já havia provado por a+b que a humanidade é cretina por natureza, e este CID não tem cura…😆
A imprensa sempre foi corrupta e sempre prezou pelos próprios interesses. Portanto, o que vemos hoje não é novidade.