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O Odorico Paraguaçu do Século 21 e os Ovos de Pata

Houve uma época em que no Brasil se produziam grandes telenovelas, a maior parte delas da Rede Globo de Televisão, um ramo de negócios da Família Marinho fundado em 1965, que foi conquistando a atenção do povo ano a ano, graças ao incentivo dos governos militares, e a uma espécie de troca de favores que beneficiou ambas as partes. Não demorou para a emissora sediada na cidade do Rio de Janeiro suplantar, com folga, todas as demais redes televisivas. Durante esse processo, emissoras independentes e redes de televisão menores simplesmente desapareceram do mapa, como, por exemplo, a Rede Tupi de Televisão.

Na década de 1970, a Rede Globo consolidou sua liderança na audiência, de Norte a Sul e de Leste a Oeste. Obviamente, as novelas foram fundamentais para essa nova realidade. As emoções provocadas pela teledramaturgia catalisavam a atenção da população, independentemente da condição sócio-econômica do telespectador. Não era apenas a empregada doméstica que assistia novelas; a patroa, também. E o intelectual, mesmo escondido, dava uma espiadinha. As novelas ditavam a moda, os costumes, o modo de pensar do grande público. Na música, artistas obscuros ganhavam as paradas de sucesso e, sim, as trilhas sonoras vendiam como água no deserto. Na verdade, as novelas vendiam de tudo.

A análise crítica das tramas ficava a cargo dos especialistas no assunto, quase sempre nas páginas das revistas de fofoca, que também vendiam horrores. Já o grande público se deixava envolver pelos personagens, muitas vezes se espelhando neles, principalmente quando eles eram carismáticos, graças à imaginação fértil dos autores e do talento do elenco. Se era herói ou vilão pouco importava, desde que a trama e as subtramas fossem muito costuradas. Este modesto escriba tinha como grande herói o personagem João Coragem, da novela Irmãos Coragem, e um ódio expresso pelo despótico Coronel Pedro Barros (Gilberto Martinho), antagonista do personagem humilde, porém destemido, interpretado por Tarcísio Meira. Lembro perfeitamente do último capítulo da novela (um bangue-bangue brasuca que até homem assistia), e dos comentários dos vizinhos no dia seguinte.

A próxima novela — seja das seis, das sete, das oito ou das dez — era garantia de sucesso, graças à fidelidade do telespectador. Na década de 1970, a Rede Globo era dona do mapa da mina e da galinha dos ovos de ouro. Inversamente à fábula, a Globo mantém a ave viva até hoje.

Em janeiro de 1973 estreou a novela O Bem Amado, no horário das 22 horas. Escrita por Dias Gomes, baseada na sua peça Odorico, o Bem-Amado ou Os Mistérios do Amor e da Morte, a trama se passa na cidade fictícia de Sucupira, um cenário rico das mazelas brasileiras, sobretudo, as políticas:

“O prefeito Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo) é um político demagogo e corrupto que, com seus discursos inflamados e verborrágicos, ilude o simplório povo da pequena Sucupira, no litoral baiano. A meta prioritária de sua administração é a inauguração do cemitério local, criticada pela oposição ao seu governo, liderada pela família Medrado, que comanda a polícia local, o dentista Lulu Gouveia (Lutero Luiz) e o jornalista Neco Pedreira (Carlos Eduardo Dolabella), editor-chefe do jornal A Trombeta.

(…)

Maquiavelicamente, Odorico planeja a morte de alguém na cidade para que seu cemitério seja inaugurado. Porém, acaba sempre malsucedido. Nem as diversas tentativas de suicídio do depressivo farmacêutico Libório, todas frustradas, nem o desejo de Zelão (Milton Gonçalves) de voar como um pássaro (e a expectativa de que ele se arrebente no chão), nem um tiroteio na praça, um crime ou um moribundo da cidade vizinha lhe proporcionam a realização desse sonho, até que o prefeito tem a ideia de mandar trazer a Sucupira o famoso matador Zeca Diabo (Lima Duarte) para encomendar o serviço, não importando a vítima. Só que Odorico não contava com o assassino profissional estar arrependido de seu passado de crimes e aposentado, importando-se apenas com a mãe velhinha, a crença no Padre Cícero e o sonho de tornar-se cirurgião-dentista.

(…)

Transmitida no período em que o Brasil estava sob ditadura militar, a novela foi afetada por intervenções do serviço de censura do governo federal. Para que fossem ao ar, os capítulos eram editados com antecedência e enviados para avaliação do órgão responsável por aprovar ou não a divulgação pública de obras de entretenimento.

https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Bem-Amado_(telenovela)

Lula Paraguaçu, Vocalista da Banda As Janjas de Galinha

Sim. Odorico Paraguaçu é o nome da figura do mundo da política que resume à perfeição o atraso em que o Brasil vive, pelo menos, desde o golpe de estado que derrubou a monarquia, em 1889. Na trama de Dias Gomes, o prefeito Odorico é uma figura dotada de um grande carisma e, por causa dessa “qualidade”, domina com maestria o discurso político. O prefeito de Sucupira tem o dom da palavra: sabe seduzir, convencer, manipular, conchavar e, quando se sente intimidado ou contrariado, joga pesado. Evidentemente, por causa do jogo político, Odorico lida com uma oposição tão caricata quanto ele e uma imprensa, representada pelo jornal A Trombeta, sempre combativa ante os desmandos do prefeito corrupto. Infelizmente – e apesar do barulho – o jornal não possui poder de influência suficiente para convencer o povo a reagir.

A obsessão de Odorico é inaugurar o cemitério de Sucupira com seu primeiro defunto. No entanto, ninguém morre. O prefeito promove articulações para apressar a morte de alguns potenciais candidatos, mas as coisas sempre dão errado, frustrando Odorico. Por fim, o cemitério acabou recebendo seu primeiro defunto: o próprio Odorico, assassinado pelo ex-pistoleiro Zeca Diabo.

Fim da novela? Não necessariamente.

Como em quase toda novela, os maus são castigados e os bons recompensados; a paz volta e a felicidade abraça todo mundo. Saindo da trama da novela O Bem Amado, e dando asas à minha imaginação, Sucupira não muda após o desaparecimento de Odorico Paraguaçu. Caso Dias Gomes desejasse dar continuidade à novela, as mazelas sucupirenses continuariam presentes, pois uma nova elite política assumiria o poder, cujo objetivo principal seria manter o status quo local. Tudo mudaria para continuar a mesma coisa, devido, sobretudo, à péssima cultura política comodista do povo brasileiro, que aceita o inaceitável como uma coisa normal.

Da fictícia Sucupira de 1973 dou um salto no tempo para o ano de 2025, na cidade de Brasília, uma mega Sucupira construída no Planalto Central, onde de tudo acontece e que nem Deus ousaria duvidar. Se observamos bem, muito do que se viu em O Bem Amado acontece na capital da República, só que de forma gigantesca.

Na Sucupira do Planalto Central, o Odorico local atende pelo nome de Luiz Inácio Lula da Silva, eleito presidente da República pela terceira vez, em 2022, graças a uma série de maquinações jurídicas e políticas que não apenas o tiraram da prisão, mas lhe devolveram os direitos políticos e, com isso, habilitando-o a concorrer ao cargo de presidente da República, vencendo o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição. O resto todo mundo sabe como foi — e está sendo. Odorico Lula da Silva é casado com uma certa Janja, uma mulher mais nova que ele e dada a um misto de protagonismo e exibicionismo que deixam a nação escandalizada. A primeira dama adora dinheiro. Dos pagadores de impostos, naturalmente.

Odorico Paraguaçu e Odorico Lula são figuras muito parecidas. O jeito espontâneo de falar, os discursos adequados ao tipo de plateia, as frases de efeito, a exposição ao ridículo, e a incrível capacidade de terceirizar a culpa por seus erros. Ou crimes. Ambos são engraçados quando querem, mas vingativos quando acham necessário. Paralelo a isso, seus auxiliares (ministros, secretários, etc.) muitas vezes metem seus chefes em grandes saias justas. Os escândalos não são poucos. Os dois Odoricos têm dinheiro suficiente para comprar consciências. No caso do Odorico de Brasília, basta ver a quantidade de artistas, intelectuais, jornalistas e parte considerável da grande imprensa felizes com seu governo, de modo que aceitam de bom grado a diarreia verbal que Odorico Lula projeta em suas aparições públicas, principalmente quando o público é de pessoas humildes, fáceis de manipular:

“O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta quinta (13) que alterou a dieta e passou a consumir ovos de pata e de ema em vez dos gerados por galinhas, por serem mais nutritivos. A fala ocorreu durante um discurso para anúncio de políticas do governo em Macapá, no Amapá, ao lado de ministros e políticos do estado.

Lula falava sobre a exploração de petróleo na costa amapaense, que está com o licenciamento pedido pela Petrobras barrado pelo Ibama por mais estudos de impacto ambiental, quando fez a referência à alteração da dieta.

“Eu estou comendo agora ovo de pata, que diz que tem mais sustância. E como eu sou um jovem de 79 anos, eu tenho que comer muito ovo de pata. Ovo de galinha fica pra vocês que são jovens”, disse.

Ele emendou afirmando que tem comido também ovos de ema, das 70 aves que cria no Palácio da Alvorada e que “botam ovo do tamanho da cabeça de vocês”, que equivale a 12 ovos de galinha.

Lula também falou da criação de 11 jabutis que mantém na residência oficial, e que também pode vir a experimentar os ovos que botarem.

“E eles botam ovo também, qualquer dia eu vou comer o ovo de jabuti também, porque tudo que é ovo é igual”, pontuou.

https://www.gazetadopovo.com.br/republica/lula-trocou-ovo-galinha-pata-ema-discurso-ap/https://www.youtube.com/watch?v=LlWE-RJQRgo

Odorico Lula sabe usar o palanque como poucos. Cercado por auxiliares, ministros, secretários, bajuladores e, claro, pela primeira-dama, o presidente tinha a patuleia em suas mãos, que aplaudia todas as investidas verbais do mandatário que, num possível exercício de semântica discursiva, afirmou que “Eu estou comendo agora ovo de pata”. Em outras palavras, Odorico Lula quer dizer que come ovo de pata, de ema e até de jabuti porque pode, e a patuléia, não. Vê-se o enlevo e o deboche quase transformados em saliva a sair boca a fora do marido de Janja, já que ali poucos são os que conseguem fazer três refeições de qualidade por dia; da dureza que é conseguir dinheiro para comprar ovos de galinha, porque a carne, o óleo, o café e outros itens da cesta básica estão quase tão difíceis de conseguir quanto meio quilo de picanha, pois a inflação está de volta, e os impostos cada vez mais selvagens.

A patuléia que se apraz em aplaudir o animador de palco é a mesma que pena na porta dos hospitais, é assaltada e às vezes morta porque o Estado não garante a sua segurança. É incrível como muitos se contentam com muito pouco, além de um animador de palco que se acha engraçado, como o Odorico da fictícia Sucupira. Graças à internet, a patuléia até sabe que está sendo usada para atender as ambições políticas do presidente da República, ainda assim, não pode perder o show.

Odorico Lula está em apuros, pois está com a popularidade indo de vento em popa, ladeira a baixo. Tal qual um animador de auditório da televisão, que se desespera quando a audiência cai, pois pode ser mandado embora a qualquer momento, o homem que come ovo de pata sabe que tem que contar mais piadas infames, aparentar não ser misógino e machista, posar de sábio, abrir os cofres públicos para comprar mais consciências de artistas e jornalistas, para que eles não apenas calem o bico; e comprar, também votos de parlamentares venais através de emendas de destino e aplicação duvidosos, tudo para fazer seu governo chegar até o final de 2026.

Somado a tudo isso, Odorico Lula é o alvo predileto de alguns jornais A Trombeta, especializados em desnudar seus atos imorais/amorais diante do grande público. Ele sabe que não pode comprá-los. Contudo, no intuito de intimidar essa imprensa avessa ao tal Sistema, o líder tenta a todo custo aprovar leis cerceando o direito à informação, feito que ele ainda não conseguiu realizar. Mas, ele continua na peleja. Torço pelo fracasso dele.

E assim, a Sucupira do Planalto Central segue sua rotina, enquanto Odorico Lula cava a cova para receber um possível defunto: a democracia. Se ele terá sucesso nessa empreitada, só o tempo irá dizer. E tempo é coisa que ele não tem.

Genecy Souza, de Manaus, AM, é Livre Pensador.
Possui textos publicados na revista digital PI Ao Quadrado e na revista impressa Gatos & Alfaces.

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