Atualizado em: 15/08/2024, as 03:08
Sou, sim, da era do mimeógrafo a álcool, a “Home Page” da Era Pré-Internética. A maioria com menos de 40 anos sequer escutou falar. Um sistema de impressão arcaico, mas visceral. Simples e necessário, como tudo tem que ser na vida, o “equipamento” consiste em um “stencil”, parecido a um papel carbono (Opa, também não sabe o que é isso? Ah, ta, digamos que o papel carbono era o precursor da impressora: uma espécie de filme colocado no meio de duas folhas para fazer cópia) onde era desenhado ou datilografado o que a gente queria, depois preso à “máquina” que era alimentada com álcool comum . Algumas folhas de papel sulfite e o milagre acontecendo depois de horas e horas de um braço cansado de girar uma manivela. Folha a folha, quando não amassava, nossos livros e “jornaizinhos” – era assim chamado o atual “fanzine” – que tinham saído de nossas cabeças e mãos tomavam forma. Estava pronta nossa “Home Page”. Agora faltava o “browser” para chegar até os “users”.
Depois de devidamente grampeados, nossos livrinhos ou jornaizinhos, impressos todos em azul, a única cor disponível nos mimeógrafos caseiros, saiam às ruas, portas de teatro, shows de Rock (shows de Rock era sempre em teatros na Era Pré-Internet, nada de botecos escuros, fedendo a cigarro, bebida e mjo). Poemas eram lidos e gritados pelas ruas e praças, ou enviados dentro de um envelope pardo pelo Correio. Era toda interatividade que tínhamos disponível: a resposta aos nossos bardos e brados sob a forma de uma carta escrita à mão ou datilografada que demorava dias, semanas até chegar ao seu destinatário.
Foi assim que brotaram centenas, milhares, quiçá milhões de combativos, criativos e ativos veículos da “Imprensa Nanica”. “Semente”, “Cogumelo Atômico”,” A Mosca”, o meu livrinho “Arquíloco” e tantos outros eram estandartes de uma crise social, política e principalmente moral que a ditadura militar fingia não perceber, porque a criara.
O “Cogumelo Atômico”, do Luís “Tout-Curt” de Brusque, foi ao certo o mais importante de todos. Luís foi um dos, senão “o”, pioneiro na área da imprensa feita de desejo e resistência, como também o foi em construir, junto com Claudia Bia, bonecos de bolas de gude, que depois se transformaram em febre em São Paulo.
Também desta leva criativa existia o “Sarrumor” que deu nome, fama e muito dinheiro ao Laerte (claro que é brincadeira, né Laerte? Ao menos a parte da fama…) que também depois fundou a banda Língua de Trapo, até hoje na ativa.
Heróicos tempos, loucos tempos! Heróicos garotos éramos todos. Crescemos e nossos cabelos pararam de crescer ou foram cortados, muitos ficaram carecas, gordos e ricos. Outros piraram, outros morreram de overdose e tristeza. A rebeldia adolescente deu lugar à busca de necessidades mais claras e egoístas. Muitos temos filhos e nossos filhos já têm filhos e portanto muitos somos “vôzinhos”. Muitos perderam ou se perderam em sonhos. Muitos os deixaram no fundo de uma gaveta do tempo, amarelado e empoeirado. Mas os sonhos “não aceitam nem pedem perdão” (eu não precisava colocar essa frase entre aspas porque é minha mesmo.) e eles, os sonhos, acabam nos acordando com “pancadas na cabeça”, como no conto de um livrinho de Valdir Zwetsch, de “O Fabricante de Sonhos”.
Nossa primeira viagem na máquina do tempo á Era Pré-Internética termina, mas agora todos sabem que existiu uma época em que as pessoas eram criativas, cultas e amigas apenas usando um mimeógrafo a álcool, a “Home Page” da Era Pré-Internética; E que nosso “Browser” (Navegador) eram o ônibus e as pernas, mesmo. E nós não deixamos de ser felizes, apenas esperamos que ela, a Felicidade, nos chegue por “E-Mail”.
10/18/2008
Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador.