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A Censura Nossa de Cada Dia

A censura está na moda. Na verdade, ela sempre esteve, nas mais diversas modalidades. Nós, trouxas contumazes, nem sempre percebemos isso. Nestes tempos de informação farta, massiva, barata e rápida, ao contrário do que este modesto escriba imaginava no tempo da internet engatinhante e as redes (anti)sociais inexistentes, as pessoas não permitiriam que o monstro retornasse das catacumbas para infernizar a vida delas. Não foi isso que aconteceu. A censura não apenas ressurgiu com força, mas sob múltiplas formas e nomes bonitinhos, sob os mais diversos pretextos.

A censura não apenas sempre esteve na moda, como foi a personagem principal ou secundária em livros, filmes, peças de teatro, artes plásticas e em um sem número de manifestações ligadas à liberdade de expressão. Essa palavra abjeta começou a integrar o meu vocabulário na minha adolescência, na segunda metade da década de 1970, em pleno Regime Militar (1964-1985). A censura era citada, direta ou disfarçadamente, em programas de televisão, jornais e revistas. Um exemplo da onipresença da vigilância estatal sobre a produção cultural era evidente nos certificados expedidos pela Censura Federal antes de qualquer programa de TV, destacando, inclusive, a faixa etária adequada ao horário de exibição. O mesmo se repetia em outras formas de diversões públicas – cinema, teatro, etc.

Comecei a trabalhar ainda na adolescência, quando, enfim, descobri em uma matéria na revista Seleções do Reader’s Digest, que a censura existia além das fronteiras brasileiras. E o que é pior: de maneira muito mais selvagem, cruel e mortal. Todos os meses, a revista disponibilizava uma ou duas matérias em que relatava o que acontecia nos países integrantes da Cortina de Ferro, bem como em ditaduras comunistas na Ásia e na África. Em uma dessas edições, que tratava de perseguição do regime soviético a escritores malvistos pela ditadura comunista, uma palavra se destacou: Samizdat.

Segundo a Wikipedia, a palavra “deriva de sam (сам, “por si mesmo”) e izdat (издат, uma abreviatura de издательство, izdatel’stvo, “editora”) e, portanto, significa “publicado por conta própria”. A língua ucraniana tem um termo semelhante: samvydav (самвидав), de sam, “auto”, e vydavnytstvo, “editora”. O poeta russo Nikolay Glazkov cunhou uma versão do termo como um trocadilho na década de 1940, quando digitou cópias de seus poemas e incluiu a nota Samsebyaizdat (Самсебяиздат, “publicada por eu mesmo”) na primeira página”

A palavra ficou gravada no subconsciente daquele adolescente numa época em que o acesso à informação era um tanto difícil, de maneira que qualquer matéria que tratasse da perseguição estatal a escritores, jornalistas e artistas, bem como a forma que eles encontravam para despistar o poder repressivo do Estado absoluto era realmente excitante, além de perigoso. Dessa forma, de revista em revista, que a minha aversão, até de forma inconsciente, a todas as formas de autoritarismo foi se consolidando, até chegar ao momento atual, com o lançamento do livro “Samizdat: Arquivos de Censura”, de autoria de Barata Cichetto.

E assim, volto ao início desta matéria, quando declaro que a censura sempre esteve na moda, e do sem número de filmes, peças de teatro, artes plásticas, etc., em que ela é a personagem principal ou secundária. O livro “Samizdat: Arquivos de Censura” é só mais um a engrossar a lista que abordam tão infame tema, mas com a vantagem de ser uma leitura fresca, na onda dos acontecimentos que, à parte os milagres proporcionados pela internet, conduziram a sociedade ocidental para um lamaçal fétido, onde a censura não é apenas uma exclusividade de regimes autoritários, mas também praticada por governos democráticos de excelência, como bem expõe o livro, mas que foi açambarcada pelos mais diversos setores da sociedade, sob os mais absurdos pretextos para proteger algo, alguém, grupos ou ideias. Em outras palavras: ideias e projetos obscurantistas travestidos de propósitos nobres.

Barata Cichetto organizou um verdadeiro arquivo em que estão devidamente organizadas as mais diversas variações da censura, obedecendo algo semelhante a uma ordenação histórica — lembrando que a censura não é uma coisa nova —, o que facilita em muito até mesmo o leitor pouco afeito aos livros, para uma compreensão ao menos sintética da realidade. Evidentemente, o autor não poderia deixar de fora os seus embates com a censura praticada pelas plataformas de internet, como o Facebook, Instagram e Youtube. Para quem conhece as atividades do “Filósofo de Pés Sujos”, principalmente nas redes sociais, logo percebe a censura em plena atividade, aplicada sob justificativas vazias de significado. Nisso, os culpados são sempre os algoritmos. No entanto, estes são controlados por pessoas, contaminadas por ideias que combinam com tudo, exceto com a liberdade de expressão. A coisa fica mais grave quando Cichetto escancara as instituições da República, cujo papel de defesa do tão batido “Estado Democrático de Direito”, é simplesmente atropelada, ignorada, descumprida e até reinterpretada, sob o pretexto de proteger o país das ações da “extrema-direita”. Some-se a esse descalabro a contribuição da grande imprensa.

Outro aspecto interessante no livro, são os diálogos que Barata Cichetto trava com o ChatGPT, a mais nova ferramenta que promete revolucionar a relação entre o usuário e a internet, incluindo aí a Inteligência Artificial. Nessas conversas, o autor faz provocações à ferramenta, esperando, no mínimo respostas objetivas, o que não é bem o caso, às vezes provocando risos do leitor.

Por fim, “Samizdat: Arquivos de Censura” é uma leitura necessária para uma melhor compreensão de atos e fatos que induzem pessoas a toda sorte de equívocos, sobretudo aqueles originados de declarações e posturas de artistas respeitados — e censurados no passado — francamente favoráveis à censura de pessoas e grupos cujas ideias não se enquadram em seu ideal de mundo.

A censura é uma doença. Para combatê-la, o melhor remédio é a informação.

Genecy Souza, de Manaus, AM, é Livre Pensador.
Possui textos publicados na revista digital PI Ao Quadrado e na revista impressa Gatos & Alfaces.

Samizdat: Arquivos de Censura
Barata Cichetto
Crônicas
260 Páginas
16 X 23 X 1,3
UICLAP, 2024

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08/10/2024 19:27

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