Bilateralidades
Porque dentro de mim existem ao menos dois seres
Um é o covarde inepto, e o outro tem superpoderes.
E há dentro de mim um par de víboras imundas:
Uma beija seus cus, a outra chuta suas bundas.
Em mim há sempre pares de dualidades dúbias e imensas:
Uma que dá o rabo de graça e a outra exige recompensas.
Em meu âmago pulsa a incerteza perigosa da deidade:
Um lado declara a mentira, o outro chora pela verdade.
E feito a um antigo disco de vinil, tenho dois lados distintos:
Um toca minha música original, o outro a canção dos instintos.
E se um rega a minha canja, o outro cospe em meu mingau.
Sendo assim, nada segue o bem, e nenhum é realmente mau.
Meu Lado Um é terno, doce e sereno, feito a um vulcão,
Mas o Lado Dois é tão extraterreno feito latido de um cão.
Meu lado A tem acordes escritos conforme a partitura,
Mas o B cospe no Maestro e escarra sóbrio na Escritura.
Tenho lados dissonantes e divergentes, nenhum bom ou mal,
Apenas um tem mais açúcar, e o outro tem muito mais sal.
Há dois lados em mim quanto em quaisquer outras criaturas,
E assim, sempre mergulho vivo em toscas e tolas aventuras.
Até nos deuses existem dois lados, só não entende o crente,
Que acha que há um deus no Céu e o outro é um divergente,
E não percebe que Céu e Inferno são dois lados da mesma moeda:
Do Bem que carrega a mentira, e do Mal que a verdade a ela herda.
05/01/2025
Do Livro:
Memórias Arrependidas de Um Poeta Sem Pudor
(Antologia Poética, de 1978 a 2025)
Barata Cichetto
Gênero: Poesia
Ano: 2025
Edição: 3ª
Editora: BarataVerso
Páginas: 796
Tamanho: 16 × 23 × 4,04 cm
Peso: 1,2 kg
Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador.
Gosto muito da cultura grega e a asiática, especialmente da mitologia grega e do taoísmo, pois ambos trazem a ideia de que o Universo é formado por pares opostos complementares e de que, no final das contas, nada no Universo é absolutamente e inteiramente Bom ou Mal. O símbolos Yin e Yang significam exatamente isso, o lado predominantemente preto tem uma ponto branco e vice-versa, ilustrando que todo mal tem uma semente do bem e todo bem tem uma semente do mal. Os deuses gregos são todos complementares, e nenhum deus é absolutamente bom ou mal. Apolo e Dionísio são deuses opostos que representam a Ordem e o Caos, como bem analisou Nietzsche, ambos são constantes necessárias, não somente à toda existência empírica, mas à própria essência do Bem e do Mal que permeiam essa mesma existência. Mas é importante destacar que isso não significa que o Bem e o Mal são absolutamente relativos, como muitos modernos e contemporâneos defendem, mas que eles precisam ser analisados levando em conta o contexto e o todo, quando se julga uma ação, uma pessoa ou sociedade, por exemplo. Dentro do panteão grego, muitos podem interpretar que Dionísio e Hades representam o Mal, como o Diabo na mitologia judaico-cristã-islâmica; e Zeus e Apolo representam o Bem, como Deus que cria e ordena toda a existência. Mas a verdade é que precisamos da Ordem e do Caos, da Beleza e da Feiura, do Amor e do Ódio, da Paz e da Violência para a vida, não apenas para a estrutura da própria existência, mas para ela “ter graça”, beleza e sentido. O Caos absoluto tornaria a vida impossível, sem forma e sem sentido, mas a Ordem absoluta tornaria tudo previsível e sem graça. No fim, acredito ser importante abraçarmos tanto o nosso lado positivo quanto o negativo, nossa luz e nossa escuridão interior. Muitos interpretam que o Ódio, o Caos e a Violência são coisas ruins em si mesmas e de maneira absoluta e que o Amor, a Paz e a Ordem solucionam tudo; mas a verdade é que no fim, o conflito entre o Bem e o Mal e todas as propriedades estruturais da existências são necessárias. Não existe Bem sem Mal, não existe Amor sem Ódio, nem Luz sem Escuridão. Reprimir nosso lado mais sombrio e violento, que Jung chamará de nossa “Sombra”, talvez seja um dos grandes erros do Ocidente, tanto de conservadores, quanto de esquerdistas, já que essa repressão acaba resultando em recalque, alienação e muitas vezes em violência, destruição e vingança posteriores muitas vezes piores que as reprimidas.
Eu sinceramente não sei se bato palmas, se digo que não entendi nada do que escreveu, ou se agradeço… Fico com a última, afinal, tenho a pretensa pretensão pretensiosa de ser daqui a mil anos, lembrado como o Filosofo de Pés Sujos… E tenho que reconhecer: se uma poesia tão despretenciosa mereceu quase um tratado de filosofia clássica, imagino que o que você escreveria se lesse meus tomos de umas 1.500 poesias…. Só curiosidade, mesmo!
Pretendi registrar o meu comentário. No entanto, após ler o seu, desisti, pois o seu é mais profundo e abrangente. Parabéns!
Todos os comentários são importantes, e, mais ou menos abrangentes, retratam o sentimento e a percepção de cada um, especial quando se trata de Poesia, algo estritamente pessoal e subjetivo. A análise de poesia pelo ponto de vista da filosofia é importante, afinal, antes dela e da Psicologia, ela existia. Então sou grato tanto a um quanto ao outro, simplesmente por comentarem, colocando a seu modo suas impressões.
O amigo Barata nos brinda e golpeia mais uma vez com sua poesia sempre afiada e certeira!
Parodiando o cantor-poeta e rebelde sem causa burguês que dizia que “a burguesia fede”, “O poeta não morreu, foi ao inferno e voltou. Conheceu os jardins do Éden e nos contou”.
Obrigado por sua arte!
Cazuza, aqui citado, um nobre burguês criado no Leblon, talvez tenha sido irônico ao declarar, quase morto por suas estripulias, estes versos. Mas… Eu… Não acho que a burguesia fede, mas a carniça da humanidade inteira.. Enfim… Cazuza não era rebelde. Rebelde sou eu! É fácil ser rebelde com pai dono de gravadora.. Mas… De qualquer jeito, obrigado pelo comentário, sempre bem vindo.