Prólogo:
No centro da praça, havia um espelho. Não um espelho comum, daqueles que devolvem uma imagem confiável, mas um espelho que parecia feito de sonhos quebrados e promessas recicladas. Diziam que ele não mostrava você como era, mas como queria ser, ou talvez como temia ser. Quem sabe? A verdade, naquele espelho, era como uma moeda lançada ao ar: sempre em movimento, jamais tocando o chão.
Era inevitável passar por ele. Mesmo os que desviavam os olhos acabavam capturados por sua presença, refletida nas vitrines das lojas ou nos olhos de outras pessoas que haviam olhado e saído mudas. Ele não fazia barulho, não emitia luz especial, mas tinha um magnetismo que atravessava a pele e chegava direto ao pensamento.
(Continua…)
(Assista Ao Vídeo Antes de Ler o Conto)
A Crônica do vídeo é um preâmbulo, uma introdução. Complete sua experiência lendo o Conto que dela se originou, a complementa e, ao mesmo tempo, é complementado por ela. Esta é a proposta do Conversas Af.IA.das. Esta é a proposta do Barataverso!
O Labirinto das Paixões Distorcidas
No mundo aonde, a realidade era um mosaico mutante, tecido pelas fantasias de seus habitantes. Cada desejo ardente, cada sonho sussurrado no silêncio da noite, tingia o tecido do real com novas formas e significados. Aqui, verdades eram como espelhos refletiam apenas o prisma de quem as segurava. Mas a beleza desse mundo vinha com um preço: quanto mais as pessoas moldavam a realidade com suas paixões, mais a verdade parecia escapar entre os dedos.
A história começa com ele, um cartógrafo de sonhos. Seu trabalho era mapear os territórios incertos criados pelos desejos alheios. Em suas incursões, notava algo estranho: certos locais no mapa desmoronavam em inconsistências. Pontes que levavam a lugar nenhum, torres que espiralavam infinitamente, cidades que se apagavam como velas ao menor sopro de dúvida. “Há uma falha no mundo”, concluiu certa noite, enquanto observava o céu estrelado que, por capricho coletivo, nunca permanecia o mesmo por dois dias.
Ao mesmo tempo, Ela uma escultora que moldava com os próprios sonhos, começava a questionar suas criações. Seu último trabalho, uma floresta de cristal que abrigava criaturas dançantes, se transformou em um pântano de sombras logo após ser concluído. “Por que aquilo que crio nunca corresponde ao que imagino?”, ela se perguntou. O pântano parecia zombar de sua insegurança, refletindo suas dúvidas em cada superfície lamacenta.
Os caminhos deles se cruzaram no Mercado de Fetiches, uma vasta praça onde objetos inúteis, mas carregados de significados emocionais, eram trocados. Entre um relógio que marcava horas inexistentes e uma bússola que apontava para os medos do portador, rlr ele adquiriu um espelho opaco que, segundo o vendedor, mostrava “a verdade que se esconde por trás da ilusão”. Intrigado, ele propôs a ela testá-lo juntos.
Ao olhar no espelho, cada um viu uma verdade que os perturbou profundamente. ele percebeu que seus mapas não eram ferramentas de exploração, mas prisões cada linha desenhada fixava sonhos que deveriam ser livres. ela viu que suas esculturas não eram dela, mas reflexos das fantasias das massas ao seu redor, sugando sua própria essência criativa. Ambos sentiram o peso de uma revelação desconcertante: suas vidas inteiras podiam ser uma construção feita para satisfazer forças invisíveis, cujos propósitos eram tão ilusórios quanto o mundo que habitavam.
Determinados a confrontar a origem dessa manipulação, iniciaram uma jornada até, uma região onde as fantasias conflitantes de toda a população colidiam, criando um caos visual e emocional. Lá, eles encontraram A Orquestra do Desejo, uma entidade composta de vozes sobrepostas, que comandava a teia de sonhos. A Orquestra revelou que a verdade não era um fato fixo, mas uma melodia que cada indivíduo afinava conforme suas expectativas. “Vocês vivem na ilusão porque têm medo do vazio”, ela disse. “Mas se todos aceitassem o nada, o que restaria?”
O dilema ético surgiu: se desmontassem o sistema de fantasias, trariam clareza, mas destruiriam o próprio mundo. Se mantivessem a ilusão, perpetuariam o ciclo de desilusão e alienação. …. quis destruir tudo; ele hesitou. Seria o vazio uma verdade mais cruel que a ilusão?
No final, eles escolheram não escolher. Abandonaram o local e voltaram ao mercado, carregando o espelho. A decisão final seria do próximo viajante, ou talvez de ninguém. Ao passar o espelho a um novo sonhador, sentiram o peso das possibilidades se diluir. Afinal, em um mundo onde a verdade é relativa, talvez a única certeza seja o eterno confronto com nossas próprias ilusões.
O espelho circulou pelo Mercado de Fetiches como um objeto amaldiçoado e fascinante. Cada novo portador via nele uma visão distinta, mas ninguém conseguia definir se o que enxergavam era uma revelação, um julgamento ou apenas mais uma camada de ilusões. Muitos tentaram destruí-lo, mas o espelho era indestrutível ou talvez regenerasse a cada tentativa, como se sua essência fosse alimentada pelo próprio ato de ser negado.
Enquanto isso, eles. seguiram caminhos separados, mas com marcas irreversíveis da jornada ao nucleo. Ele, agora cético, parou de mapear territórios. Em vez disso, começou a criar mapas de ausências: espaços em branco que desafiavam as pessoas a preencherem com suas próprias imaginações. O vazio, ele descobriu, podia ser tão poderoso quanto qualquer fantasia, pois carregava a possibilidade infinita do que poderia ser.
Ela por sua vez, abraçou a impermanência. Suas esculturas tornaram-se fugazes: feixes de luz que dançavam por segundos antes de desaparecer, ou sombras projetadas em superfícies que desvaneciam ao toque do vento. Ela queria mostrar às pessoas que a beleza não estava na permanência, mas no momento um momento que, ao ser vivido, nunca poderia ser apagado.
No entanto, ambos eram assombrados por uma pergunta: o espelho estava dizendo a verdade, ou apenas refletindo o que eles já temiam ser verdade? Esse questionamento tornou-se o eixo em torno do qual suas vidas giravam, como se fossem satélites em torno de um centro gravitacional que nunca podiam alcançar.
Enquanto isso, o mundo continuava a se moldar pelas paixões e fetiches de seus habitantes. Mas algo havia mudado. Os rumores sobre o espelho e o encontro no nucleo, começaram a se espalhar. Pequenas dúvidas começaram a germinar nas mentes das pessoas. A realidade tornou-se mais instável; os edifícios se dissolviam em nuvens de pó quando seus criadores duvidavam de sua solidez; os rios mudavam de curso ao menor suspiro de arrependimento. o mundo estava à beira de um colapso, ou de uma transformação radical.
Eles, sem saber, foram atraídos novamente ao mesmo lugar: uma vila no limiar do mundo conhecido, onde rumores diziam que o espelho havia sido encontrado pela primeira vez. Lá, encontraram uma figura misteriosa, um velho de olhos translúcidos, que parecia ser tanto parte do mundo quanto alguém que o observava de fora. Ele se apresentou como, um viajante entre realidades.
“Vocês buscam a verdade, mas esquecem que ela não existe sem um observador”, disse o ser, enquanto girava o espelho em suas mãos. “Vocês acreditam que o espelho é o problema, mas ele é apenas um fragmento de algo maior. A verdadeira questão é: quem está observando? Quem controla o que vocês veem?”
Então lhes mostrou algo além de qualquer fantasia que pudessem imaginar. Um vislumbre do mundo como realmente era: uma teia de luz e energia, pulsando com os desejos de seus habitantes, mas também enredada em algo maior, algo que eles não podiam compreender completamente. O velho sugeriu que havia outros mundos, mas cada um regido por suas próprias ilusões coletivas, e que a única diferença era o grau de consciência que seus habitantes tinham sobre o jogo que jogavam.
Ela fascinada, perguntou: “Então não há escape?”
O Velho sorriu. “Escape? Isso implicaria que existe um lugar para onde ir. Vocês já estão onde sempre estiveram em sua própria mente.”
Desapareceu, deixando o espelho em um pedestal no centro da vila, onde qualquer um poderia olhar e se confrontar com suas próprias verdades ou ilusões.
Ficaram ali, olhando para o espelho sem coragem de se aproximar. No reflexo, o céu mudou, revelando algo novo: não estrelas, mas um abismo brilhante, que parecia observar tudo com uma consciência infinita.
E assim, a história termina como começou, com mais perguntas do que respostas. O espelho permanece, e quem ousar olhar nele carregará a próxima peça do quebra-cabeça. Afinal, talvez o verdadeiro enigma nunca tenha sido a realidade, mas a vontade de entendê-la.
Ela foi a primeira a se afastar. Seus passos ecoaram no vazio da vila, um som nítido e solitário que parecia ser absorvido pelo próprio ar. “Não precisamos de respostas,” ela disse, olhando uma última vez para ele. “Só precisamos continuar criando, mesmo que nada seja permanente. Isso é o suficiente para mim.”
Ele ficou para trás, imóvel diante do espelho. Pensou em tudo o que havia visto e sentido, nas revelações e nas dúvidas que o consumiam. Então, com um gesto deliberado, virou o espelho de costas, escondendo sua superfície reflexiva. “O que não se pode ver, talvez não precise ser questionado,” murmurou.
Mas, ao virar-se para partir, ouviu um som peculiar. O espelho, como que vivo, começou a rachar. Uma linha fina se abriu em sua superfície, espalhando-se como raízes no solo seco. Quando olhou para trás, percebeu algo extraordinário: por trás da rachadura, havia um vazio, um vácuo de escuridão pura, absoluta, que parecia puxar tudo para dentro de si.
Foi então que entendeu: o espelho nunca mostrou a verdade, apenas refletiu o desejo de quem o observava. O vazio era a única verdade a única coisa que não podia ser moldada ou distorcida. Ele não tentou deter o colapso; sabia que era inevitável. O espelho se despedaçou em mil fragmentos, e, com ele, a vila desapareceu em uma onda de luz.
/Engolido pelo clarão, mas, em vez de encontrar o fim, sentiu-se dissolver e, ao mesmo tempo, expandir. Sua consciência misturou-se ao tecido do mundo, tornando-se parte da teia de sonhos e ilusões que ele tanto havia questionado. …. também sentiu essa mudança, mesmo estando longe. Eles não eram mais indivíduos separados, mas algo maior, algo que não podia ser descrito com palavras.
O mundo mudou para sempre. O espelho, ou o que ele representava, havia desaparecido. Mas, no coração de seus habitantes, restou uma compreensão sutil, uma dúvida persistente: será que aquilo que vemos e acreditamos é real, ou apenas a sombra de nossas próprias mentes?
Com o mundo em transformação, um lembrete de que a realidade, como a verdade, é apenas o eco de nossos desejos, e que talvez, no vazio, resida a única certeza.
Renato Pittas, Rio de Janeiro, RJ, é artista plástico, poeta, escritor e Livre Pensador. Autor de Tagarelices: Conversas Fiadas Com as IAs.