São nos piores e nos melhores momentos da vida, que as pessoas se revelam o que realmente são. Também são nos grandes e nos pequenos embates e que as pessoas também se revelam o que realmente são. Como sou um pequeno funcionário público, no momento que dedilho este texto, vivenciei e vivencio o dia a dia matreiro, dos pequenos embates a máquina pública, no seu interior e com a própria sociedade.
Vou relatar aqui, um pequeno fato perpetrado por um diretor de escola voluntarista, em um bairro periférico, na cidade em que vivo. Eu como marxista gramsciano, confesso aqui, uma limitação intelectual da minha parte, eu não sou um grande teórico estudioso. Dito isto, lá vamos nós, como a escola que eu estava guardando e resguardando, eu como um agente efetivo do aparato repressivo do estado, aparato educacional onde estudei, assim como o meu irmão, irmãs e sobrinhas e sobrinhos. Na época, as minhas duas irmãs mais novas lá estavam estudando e então a tinha uma carga era maior.
Mas, o embate entre a minha rasa autoridade de funcionário público uniformizado e o diretor voluntarista, que tinha aberto a escola, para a sociedade. O querubim-mor daquele aparato estatal, tinha aberto a escola para a sociedade, assim o fez sem qualquer planejamento pedagógico ou sequer seguindo um programa educacional nos três níveis de poder.
Era um vai e vem em horas variadas, eram jogos de tabuleiros, esportes variados, com as unidades escolares vizinhas, desfiles de moda improvisados entre outras atividades socioculturais. Tudo sem programação certa, e sem aviso prévio para a minha pessoa, como eu trabalhava e ainda trabalho no momento que escrevo esta peça, para a secretária de segurança e o querubim-mor para o aparato educacional. Estabeleceu esses pequenos choques diários, ressalto o ápice do embate, uma escaramuça tola a bem da verdade.
O querubim-mor, fez o que todos os querubins e querubinas fazem, não com muita raridade. Cheio de autoridade, mandou eu fechar a entrada sul do aparato, entrada exclusiva para os professores, funcionários e afins. Um pouco de contexto aqui, eu ficava na entrada oeste, para alunos e alunas um grande portão de entrada. Este portão, ficava na principal e movimentada avenida do bairro periférico, já a entrada sul, ficava em uma rua vicinal que dava acesso ao outro bairro periférico. E mais contextos, os pais e responsáveis que iam trabalhar levavam os alunos, mais tarde, pois aproveitavam a ida para o trabalho. Enquanto os alunos e alunas que iam sozinhos, usavam o portão oeste e chegavam mais cedo.
O querubim-mor, deu a ordem e se enclausurou lá nas tensas alturas, se fechou na segurança tranquila do seu gabinete, longe da hirta realidade. Mas, como a realidade teima em se impor, pois, o gabinete ficava ao lado da entrada sul. Faço este pequeno adendo, pois conforme a pequena multidão de pais, mães e afins de alunas e alunos, todos nervosos ao ver a entrada fechada. E o que eu dizia: ̶ O diretor mandou fechar a entrada!
E entre alvoroços e gritos de indignação, ocorreu o que sempre ocorre nesses momentos ridículos, uma mera habitante do subsolo da sociedade estratificada, ela uma zeladora, veio ver o que estava ocorrendo e me perguntou o que havia. E que eu disse? ̶ O diretor mandou fechar a entrada! ̶ E o que se seguiu conforme a multidão se avolumava, chegou uma professora me inquiriu e de novo eu disse: ̶ O diretor mandou fechar a entrada! ̶ Assim, subindo os degraus da sociedade estratificada na microfísica do poder, a secretária escolar, a orientadora pedagógica, indo parar na diretora adjunta e resposta era sempre a mesma: ̶ O diretor mandou fechar a entrada!
A essa altura a multidão de mães, pais, responsáveis e alunos formavam uma turba barulhenta e a diretora adjunta, galgou as densas alturas e foi ter uma conversa com o querubim-mor. E para muitos ridículos da vida, assim que a diretora adjunta, saiu do gabinete do senhor diretor, o querubim-mor, a querubina de segundo escalão, somente me pediu para eu abrir a entrada sul. E para mais ridiculices da vida, a turba se comportou com uma turba, me vaiando em uníssono. Então a diretora adjunta, querubina de segundo escalão, pediu calma e disse que eu só estava obedecendo ordens do querubim-mor. Termino esse enfadonho relato, que tirei o molho de chaves do bolso e abrir a entrada sul e todo o universo permitiu se recompor. Pelo menos eu acho que se recompôs.
Fragmento do Livro: “Dos Ridículos da Vida”
Samuel da Costa, contista, poeta e novelista em Itajaí, Santa Catarina. – Email: [email protected]