Entrevista | Barata a Matheus Narcizo (USJT)

Atualizado em 08/07/2024 as 21:48:00

Em duas oportunidades, em 2014 e 15, concedi entrevista a Matheus Narcizo, da revista Sampa, da USJT (Universidade São Judas Tadeu). A primeira é mais genérica, sobre minhas atividades como poeta, escritor, editor e rocker. A segunda, um pouco mais específica, sobre a Editor’A Barata Artesanal. Nesta publicação juntei as duas. Para variar, perdi contato com o Matheus, e não consegui encontrá-lo nas redes sociais. Se ele chegar até aqui, dá um alô. (BC, Fevereiro, 2024)

1) Hoje, qual é a sua opinião sobre o rock paulistano? E o brasileiro? Existem bandas que mereçam destaque neste cenário?

Matheus, eu tenho uma visão ampla a respeito de Rock feito no Brasil, até por força da minha atividade, particularmente de 1997 para cá, a frente de sites, blogs e revistas de Rock. E também por ter viajado durante quatro anos pelo interior de São Paulo e todos os estados da região Sul com uma banda histórica, a Patrulha do Espaço. Além disso, morei durante um ano em Belém, PA e estive várias vezes em Manaus, ambas na região Norte. Diante disso, sinto-me a vontade para primeiramente afirmar que, apesar do fato de que o Rock feito em São Paulo obtenha um destaque e um peso muito grandes dentro do contexto do país, até por forças da grande mídia, que concentra no eixo São Paulo-Rio sua atenção, muitos outros lugares produziram e produzem ótimas bandas.

O Rock paulistano tem características distintas e é muito diferente daquele feito em qualquer outra cidade do país, em função das características da cidade, a maior metrópole da América Latina e uma das maiores cidades do mundo. Mas minha opinião sobre o que chamas de “Rock Paulistano” é que, embora ainda existam na cidade as maiores e mais “conceituadas” bandas, anda muito pouco criativo, apático e repetindo o mesmos chavões de 40 anos arás. Apenas mudou a forma, pois enquanto nos anos 1970 predominava o “Progressivo” e atualmente a tendência maior é para o Metal e o Hard Rock, infelizmente, com raras exceções, as bandas se repetem, e se copiam, não havendo uma reciclagem no quesito criatividade, por absoluto comodismo.
Por outro lado, libertos dessa pressão urbana, o restante das cidades tem produzido bandas muito boas, que de fato merecem destaque e precisariam ser mais bem conhecidas e divulgadas. Um exemplo claro é uma banda que descobri muito recentemente, que é do Espírito Santo, de nome Ávora di Carlla. A sonoridade é perfeita, dentro daquilo que poderíamos chamar de Rock Progressivo, aliado a letras impactantes e fortes e um contexto geral, que há muito tempo eu não ouvia. O complicado é que trabalhos como esse estão fadados ao ostracismo, por culpa não apenas da mídia, mas até mais pela falta de interesse das pessoas atualmente com trabalhos musicais mais elaborados e densos.
E termino sua pergunta com outra: existem bandas que merecem destaque, mas será que existe um cenário?

2) Você vivenciou o ápice do rock paulistano, nos anos 1980. Como era aquela época? Você diria que foram os dez melhores anos do rock?

Bem, eu não enxergo o ápice do “Rock Paulistano” nos anos 1980, embora comercialmente pudéssemos ter como correta a sua afirmação. Os anos 1980 foram, digamos a década em que o Rock, por força do chamado Pop Rock, BR Rock e principalmente do primeiro Rock in Rio, quando o Rock no Brasil se tornou comercial. Apareceram muitas bandas que fizeram um relativo – em alguns casos até grande – sucesso. Mas não considero artística e musicalmente falando como o apogeu. A mim, isso ocorreu na década anterior, coincidindo de fato seu principio de declínio com o inicio do período comercial. Portanto, a exemplo período tratado no excelente livro de André Barcinski, que acabei de ler, considero esse apogeu no período entre 1973 e 1983. Foi nessa época em que aconteceram os maiores e mais importantes lançamentos do Rock no Brasil, sendo a maior parte deles de bandas e artistas originários ou radicados em São Paulo. Em 1973 foi lançado o primeiro disco dos Secos e Molhados, que embora muita gente não considere como uma legitima banda de Rock, levando-se em conta nosso contexto roqueiro heterogêneo, foi o maior fenômeno do Rock brasileiro.
Também nesse período foram lançados discos fundamentais como “Vivo” de Alceu Valença, que em minha opinião é o melhor disco de Rock feito no Brasil, o primeiro disco do Joelho de Porco, “Mutantes ao Vivo”, os primeiros disco de bandas como Made In Brazil, Patrulha do Espaço, Walter Franco etc. Também nesse período, aconteceram os festivais que buscavam repetir o fenômeno dos festivais americanos e ingleses nestas terras. Como vivíamos sob uma época de Regime Militar, proibição de importações e o consequente atraso tecnológico, o que de importante aconteceu no mundo na segunda metade dos anos sessenta, demorou quase uma década para explodir por aqui, coincidindo exatamente nesse período. Os anos 1980 foram importantes, mas de certa forma foram à pá de cal na no Rock Brasileiro, e se me permite ser mais enfático e polêmico, o principio do fim do Rock. E não apenas no Brasil.

3) Alguém consegue viver de fato só de rock no Brasil?

Decididamente não. O Rock no Brasil, mesmo tendo seu apogeu comercial na fase que citei acima, nunca propiciou aos músicos, possibilidade de sobrevivência plena. O publico comprador de discos e frequentador de shows desde os anos 1980 vem diminuindo sensivelmente. A cada dia deixa de existir um espaço de Rock no Brasil. Mesmo em São Paulo os espaços diminuíram terrivelmente. O que ocorre é que os músicos tem que, ou tocar em bandas que acompanham artistas populares, ou tocar cover em bares, em troco de migalhas. Mesmo assim, é certo que uma minoria consegue viver tocando Rock no Brasil. Não há nenhum artista de Rock no Brasil há muitos anos aparecendo, por exemplo, em algum programa de TV de uma grande emissora, os shows estão cada vez com menos publico. Então, dessa forma não há como sobreviver. É uma questão que envolve muitos culpados e poucos inocentes. O publico paga fortunas para assistir uma banda internacional, mas não paga míseros dinheiros para prestigiar uma banda local. As casas, bares e demais locais, visam apenas o lucro rápido advindo de bandas cover, pois afinal esses lugares são para divertimento. Gravadoras não investem e por fim bons músicos que não se valorizam e aceitam qualquer cota de bebida para tocar, enquanto outros, preguiçosos, não estudam, não buscam melhorar. O Rock não tem mais apelo perante os jovens porque sua temática e comportamento ou foi assimilada por outras tribos, ou ficou distante deles. E isso destrói toda a cadeia criativa, criando um circulo vicioso.

4) O rock deixou de ter seu espaço devido às tantas transformações de ritmos e gostos?

Acredito que sim. Musica como qualquer forma de arte reflete a era em que é criada. Todo um contexto social está embutido. O Rock nasceu num momento de efervescência cultural e social, onde as pessoas buscavam a liberdade do corpo, a mudança de costumes, a fuga da repressão social, e principalmente o horror da segunda guerra mundial. Depois se transformou em algo que era veiculo de introspecção e busca de conhecimento, na fase do Progressivo e posteriormente, com o rompimento disso em função de convulsões sociais, que deflagraram no Punk e sua tentativa de retorno a essas origens, fechou um ciclo completo.
Os anos 1980 começaram com a desilusão que foi retratada pelo Gótico, Pós Punk. A partir daí, com o desespero e falta de horizontes sociais e políticos, marcados decisivamente pela queda do Muro de Berlim e do fracasso do projeto da URSS, o Rock passou a ser um autentico “balaio de gatos”, abocanhando e sendo abocanhado por ritmos e gostos totalmente disformes e estranhos, fazendo com que todo o seu objetivo e significado perdessem o sentido.
Um exemplo simples disso é a guitarra elétrica, instrumento icônico do Rock, que no inicio dos anos 1970 foi alvo de uma passeada contra ela, deflagrada por músicos da chamada “autêntica” musica brasileira, ter sido incorporada sem maiores problemas a qualquer conjunto de outros ritmos, até mesmo dentro do sertanejo e samba. Enfim, em função de todas essas transformações, o Rock perdeu sua identidade, seu propósito. E isso não é um fenômeno exclusivo do Brasil, embora nessas terras, por força da pluralidade cultural, seja sentida de forma muito mais clara. A questão é cultural, simplesmente.

5) Bandas que engataram sucessos anos atrás como: Paralamas, Titãs, entre outras, atualmente sofrem para se manterem vivas no cenário nacional, ou por terem uma “carreira” sólida produzem algo novo somente quando lhes convêm?

As bandas citadas tem históricos conturbados, oscilando entre o muito bom e muito ruim. Foram bandas que explodiram nos anos oitenta, quando o Rock no Brasil obteve apelo comercial. Particularmente Titãs, que de Punk (quando ainda atendiam pelo nome “Titãs do Iêiêiê”) chegaram a absurdo máximo de gravar Roberto Carlos… Depois de cisões, saídas, retornos, recomeços, a banda retorna, tentando retomar uma espécie de elo perdido. Pela minha ótica, não vejo nenhuma dessas com honestidade nessa tentativa de se manter. A mim parece mesmo oportunismo e busca de apenas ganhar uma grana extra. Paralamas para mim sempre foi uma banda muito chata e ruim. Pode ter até bons músicos, mas é uma banda chata e ruim no conjunto. Altamente superestimada. E de modo geral, penso que qualquer banda que um dia tenha decretado seu próprio fim, jamais deveria retornar. O cheiro é o mesmo de um casamento retomado depois de terminado. Essas tentativas são desastrosas, porque se chegou a uma decisão de terminar algo e isso de fato ocorreu, é porque não havia mais nada em comum. Em resumo: é conveniência financeira, mais nada!

6) Já que o rock tem, por pura essência, um jeito contestador de ser, vc acha que o fim da ditadura culminou com o fim da ”criatividade” das bandas?

Pergunta muito interessante. Acredito que sim. No Rock o fator contestação fator é, digamos, genético. Faz parte de sua origem, nos movimentos sociais de uma época situada no pós-guerra. Sendo assim, durante a ditadura, esse fator era o combustível que alimentava bandas e artistas a criar. Enquanto a chamada MPB era algo elitista, ligada às classes dominantes com acesso amplo a cultura, o Samba ligado ao outro extremo, das classes mais pobres e sem cultura; e o Sertanejo representando um bucolismo que tentava sobreviver diante da migração da população para as áreas urbanas, surgiu o Rock, com sua quebra de tabus de todas as formas. Então essa natural vocação à contestação tinha um terreno fértil numa terra assolada por regras fechadas de conduta moral e social. Basta que contextualizemos o apogeu do Rock – lembrando o que coloquei acima, como apogeu criativo, não necessariamente o comercial – que aconteceu durante a época de maior aperto por parte dos militares. Há, é claro, o fator do desafio criativo, que acontecia pela necessidade de burlar a dura censura. Os artistas tinham que usar talento e criatividade para passar seu recado de forma inteligente, sem que os censores percebessem. A ditadura militar no Brasil começou a arrefecer no final dos anos setenta e terminou oficialmente em 1984 e é perceptível que esse período coincidiu também com o arrefecimento do Rock como movimento de contestação mais puro. A sociedade como um todo, com a sensação de que tinha vencido a ditadura, se voltou ao próprio ego e isso teve reflexo nas musicas e letras. O fim da Guerra Fria, que alimentou muito esse fator, também contribuiu. As pessoas perderam o foco ideológico e passaram a se voltar para dentro de si próprios.
Claro que existem exceções dentro desse panorama, mas elas são apenas isso. O movimento Punk, nascido de uma situação social especificamente inglesa, se espalhou pelo mundo, pegando componentes locais, mas, não por coincidência, surgiu na segunda metade dos 1970 e durou menos de 10 anos, ao menos com a característica como foi criado. Foi de fato o único movimento relacionado a Rock a chegar às periferias. E a resposta final a sua pergunta é: sem duvida que sim.

7) As bandas de hoje fariam sucesso nos anos 60, 70 e 80?

Depende de como entendemos o termo “fazer sucesso”, que normalmente é entendido como fator comercial. Mas respondo com uma visão mais ampla, englobando outros sentidos, como realização artística e efetiva assimilação por parte do publico. E dentro de contexto mais amplo, não acredito que faria “sucesso”. Principalmente nos 60 e 70, pois precisaria estar acontecendo algo de muito mais atemporal em termos de musica Rock, para que ela pudesse tranquilamente “viajar no tempo”. Dentro de uma ilação pura, nada do futuro faria “sucesso” no passado, pois não há nenhum tipo de ligação emocional. E é esse o fator fundamental do sucesso. As pessoas só se sentem bem com algo com a qual tenham alguma ligação emocional. E não existe isso com algo que ainda não aconteceu, obviamente. Dentro dessa situação, imagino, por exemplo, a musica de uma banda de Metal sendo jogada sobre as cabeças das pessoas em, por exemplo, 1967 ou 1974. Creio que seria um desastre total.

8) Falando sobre indústria musical, a queda do CD para o compartilhamento on-line fez com o que o rock ganhasse mais força ou sofresse com essa modernidade?

Antes da existência dos discos as pessoas compravam partituras. Depois com o advento das fitas cassete, começou a era de “compartilhamento”, ao contrário do que muita gente pensa, que isso seja um fenômeno exclusivo da Era da Internet. Durante os anos 1970, 1980 e até parte dos 90, as pessoas copiavam em fita seus discos prediletos, gravavam programas de rádio e depois compartilhavam com amigos, sendo que algumas faziam disso uma forma de comércio. Claro que isso não tinha a mesma força, o mesmo impacto que teve, a partir do fim do milênio, a distribuição fácil e desenfreada de musica em formato digital, mas temos que entender isso como uma “evolução” do sistema, graças ao aumento de tecnologia e, principalmente contextualizar as eras. Se nas décadas citadas, as pessoas eram menos aceleradas, menos imediatistas e mais pacientes, a ponto de esperar anos para comprar um disco, carregar debaixo do braço, admirar capas e encartes, sentar, colocar um LP no toca discos, se levantar, virar o disco, enfim todo um ritual que incluía escutar um tema de Rock Progressivo de 23 minutos, atualmente, por força de circunstâncias inúmeras em que estamos incluídos, tudo isso seria impossível para a maioria das pessoas. Há atualmente a necessidade do rápido, do simples, e isso se reflete claramente tanto na arte em si, quanto no mercado de consumo. Quem alimenta quem e quem come quem é uma pergunta difícil de responder. Creio que o Rock, como qualquer outra forma de musica ganhou e perdeu com isso. Como fator social ganhou, pelo fato de que um trabalho que antes estaria restrito a um pequeno grupo, pode hoje atingir pessoas no mundo inteiro rapidamente, enquanto pela questão artística creio que perdeu muito, pois essa mesmo fator que gera a facilidade técnica e financeira de se produzir e distribuir musica, faz com que apareça uma proporção imensa de coisas sem o menor conteúdo qualitativo. Nessa questão de perdas e ganhos há muitos outros fatores a serem considerados, mas chegar a um numero positivo ou negativo, ao menos neste momento, considero uma matemática quase impossível. Apenas o tempo nos dará essa resposta.

9) Você acha que o rock pode ser considerado um ritmo revolucionário? Quais países, em sua opinião, influenciaram o rock brasileiro?

Ao menos a sua genética aponta isso. Mas qualquer fator genético bombardeado por quilos de informações externas, de forte apelo, tende a se modificar. Isso é o que acontece com as pessoas. E acontecendo com as pessoas, acontece com a musica que elas produzem e com seus atos de qualquer natureza. Precisaríamos estabelecer uma definição especifica do que entendemos por “revolucionário”, para sabermos até que ponto, o Rock pode ser considerado fator de mudança efetivo. De que tipo de revolução estamos falando? E principalmente, qual é o objetivo dessa revolução? E outra: o termo sofreu e sofre com as intempéries políticas, com furacões comerciais e chuvas de verão sociais, então, dentro desse quadro climático, precisaríamos entender melhor em que contexto devemos enquadrar. Mas eu diria que, como nas pessoas, na essência ele é, sim, revolucionário.
Quanto aos países que influenciaram o Rock feito no Brasil, com certeza foram EUA e Inglaterra. O Rock chegou ao Brasil por força das primeiras gravações americanas do gênero. Estudioso remontam a versão de “Rock Around The Clock”, gravada por uma cantora de samba canção, Nora Ney, como a primeira feita no Brasil, ainda em 1954. Imediatamente após, ocorreram gravações de cantores populares que gravaram versões de temas que faziam parte de filmes americanos. Então, a primeira influencia foi, como de resto em todo mundo, dos Estados Unidos. Mas se o Rock das Terras de Obama foi à primeira influencia, não considero como a maior e muito menos mais importante, pois foi através da influencia de bandas e artistas da Terra da Rainha, que o Rock se estabeleceu no Brasil.
Movimentos como a Jovem Guarda e Tropicália, que embora com características próprias, foi clara e indubitavelmente influenciada por artistas como The Beatles, Rolling Stones, Yes, Pink Floyd, etc. Todos ingleses. Uma parte enorme das musicas desses movimentos, que ocorreram nos anos 1960 e 70, foram versões e inspirações do Rock Inglês, não do norte-americano. Devemos também contextualizar o inicio e ápice do Rock no Brasil, dentro do período do regime militar que assolava não apenas o Brasil, mas quase todos os países da América do Sul, isolando essa parte do continente ao produto que chegava desses países, então seria impossível que sofrêssemos qualquer influencia cultural produzida em países como a URSS por exemplo. E há também a questão comercial, já que a única forma de se ouvir musica era por intermédio de rádios e discos, que sempre foram controlados por empresas desses países.

Nota: agradeço pela entrevista e parabenizo ao Matheus pelo teor das perguntas, pela forma extremamente provocativa e inteligente na formulação delas. É o tipo de questionário que nos desafia a uma resposta à altura. Espero que minhas respostas estejam, portanto se equivalendo ao nível das questões colocadas e que possam, de alguma forma, contribuir com os leitores da revista na formação de pensamento. Muito obrigado!

1 – Quando você criou a Editora Barata? Qual motivo apontaria como principal para a criação?

A Editor’A Barata Artesanal foi criada no início de 2010, pelo desejo e necessidade de publicar trabalhos de minha autoria. Cansado de não obter sequer respostas de editoras convencionais, decidi editar e vender meus próprios livros.

2 – O que seria essa produção artesanal de livros?

O processo de produção consiste em abarcar todas as etapas, desde a escrita, passando pela diagramação, impressão, criação da capa, encadernação (costura e colagem manual), acabamento e distribuição. Todo esse processo é feito por mim, num processo de absoluto artesanato. A vantagem é que trabalho com pequenas tiragens, a partir de 10 exemplares, então o autor não precisar despender grandes somas em dinheiro e pode controlar suas vendas de acordo com a demanda.

3 – Você diria que esta criação é uma forma de “driblar” as grandes editoras ou está mais atrelada à necessidade de apresentar/divulgar o seu trabalho?

Eu não diria “driblar”, pois tenho consciência de que não existe forma de competir com as grande editoras. É sabido que as editoras brasileiras, que antes já eram inacessíveis, estão sendo engolidas por gigantes americanas, o que torna o acesso muito mais restrito. Então, eu diria que é uma alternativa. E, sim, uma forma de um escritor altamente produtivo como eu, conseguir expor meus trabalhos de forma totalmente independente, mantendo todo o controle da obra. Ademais, “driblar” essas grande editoras, ou mesmo outras que se dizem independentes, mas que na maioria vivem do dinheiro de dinheiro publico, através de leis de incentivo à cultura, que como todos sabem, são conseguidos na maioria das vezes por meios tortuosos.

4 – Outros artistas também divulgam seu trabalho através da editora?

Sim. O objetivo inicial era divulgar meus trabalhos, mas logo no início outras pessoas começaram a se interessar, e passei então aceitar outros trabalhos. Nesses cinco anos, foram mais de sessenta títulos, em vários gêneros, como poesia, ocultismo, ensaios. Normalmente são pessoas que tem necessidade e desejo de ter seus trabalhos em livro impresso e não tem também oportunidades nas grandes editoras.

5 – A editora tem rendido bons resultados? Tem conseguido divulgar e vincular suas obras?

Bem, Depende do que se possa considerar com resultado bom. Como falei acima, são mais de 60 títulos em cinco anos, trabalhando sozinho. Uma média um por mês. O que, para uma “editora”, cujo trabalho é feito por uma única pessoa, sem nenhum tipo de apoio ou investimento externo é absolutamente positivo. Claro que temos que levar em consideração que são sempre pequenas tiragens, no máximo 200 exemplares, e sem nenhum esquema de distribuição, com a divulgação feita no boca a boca e nas redes sociais, mas, dentro da proposta da “editora”, considero positivo.

6 – Qual é o seu grande desejo com a editora? Sonha transformá-la em algo grande?

Não, não almejo transformá-la em algo grande, em nenhuma editora sob os padrões do mercado editorial. Aliás, perceba que sempre uso o termo editora entre aspas, pois não considero a “Editor’A Barata Artesanal” como de fato sendo uma. Minha auto definição é “Artesão de Livros”, e assim pretendo que continue. Claro que gostaria de ter um capital maior, para investir em equipamentos melhores de impressão, melhorando meus processos, mas isso sempre dentro de um modelo de empresa individual. Ademais, tenho objetivo de também poder dispor de recursos para bancar a publicação de livros que considere de alto valor literário, sem que o autor precise dispor de seu próprio capital.

7 – Você acha que há pouco espaço para escritores no Brasil? Há pouco interesse em lançar novos pensadores no país? Acredita que isso esteja atrelado à falta de qualidade na educação brasileira? Há algum outro motivo?

Sim, falta. Mas a questão é bem mais complexa. O que existe é a falta de disposição de risco, coisa inerente a qualquer negócio, por parte das editoras. Basta se observar o que é editado e comercializado no Brasil. No momento, há uma “moda” de se publicar mulheres e livros de “cunho social”. pois perceberam que há um publico ávido por mulheres escritoras. É uma questão social muito ligada ao momento cultural e político extremamente complicado que vivemos. Há quase uma ditadura sobre essa questão. Basta observar quem são as “estrelas” das chamadas feiras literárias, que aliás de literárias nada tem, sendo apenas feiras para vendas de livros. E de fato, não há interesse em lançar “novos pensadores”, pois o interesse é puramente mercadológico. Se o que vende é biografia de gente famosa, autoajuda, zumbis, games e coisas ligadas aos pseudo movimentos sociais, por que alguma editora se arriscaria publicar livros fora desse contexto? Claro que entendo que uma editora é um negócio. Mas não é apenas isso. Editoras precisam ter uma visão menos linear do mercado e arriscar. No passado, por exemplo, tentei convencer algumas editoras de meu trabalho, toda a literatura que produzo, se fosse bem divulgada e vendida com apoio correto de “marketing” venderia muito bem, pois estou certo de que há publico para ela. Mas não querem arriscar, não querer trabalhar de fato. Querem pegar o que vende sozinho e arrecadar os lucros facilmente.
E se isso está atrelado à falta de qualidade na educação? Claro, mas não é uma consequência, mas um fator. É um circulo vicioso. A qualidade da Educação no Brasil despencou nos últimos anos, mas ele é fruto desse sistema carcomido onde existem inúmeros culpados, num espectro que abrange desde o sistema político ao eventual leitor, passando por empresários. A sociedade hoje vive do imediatismo, do agora, do plástico, da imagem, da velocidade absurda imposta aos sentimentos, e portanto numa sociedade dessas, com certeza a verdadeira literatura é uma espécie de grama numa briga de elefantes. A internet, com seus livros virtuais e redes sociais onde cada um se considera um pensador, um poeta, um filósofo também é outro fator. Essa pseudo socialização nivelou por baixo o nível da literatura. Aliás, embora eu até tenha blogs e eventualmente publique algumas coisas na Internet, não considero nada do que é publicado “eletronicamente” como literatura. Se faço é por pura necessidade de tentar chamar a atenção das pessoas ao meu trabalho. A Internet não matou a literatura, mas matou o escritor de verdade. ela não é a responsável pela morte da literatura, mas é o agente catalisador dessa morte.

8 – Acha que é preciso ter “capital inicial” para ser um escritor conhecido?

O “capital inicial” de um escritor deveria ser apenas seu trabalho, sua capacidade em produzir bons textos, mas na prática é preciso ter alguns fatores, segundo a regra imposta. Basta olhar para os livros que vendem: biografias, testemunhos de “minorias”, feminismo, romances espiritualistas. De preferência de alguém ligado à mídia. As editoras grande enfiam um monte de dinheiro pagando jabá para programas de entrevistas na TV, etc. Portanto, se o escritor não pertence a nenhuma chamada “minoria”, se não é alguém ligado a nenhum movimento “social”, se não está na mídia, seu capital inicial se resume a zero. Há uma ditadura cultural firme e clara, que expurga todos aqueles que não fazem parte desse jogo. Um circulo de fogo que gira ao redor do poder vigente. Então, a única coisa que resta é justamente tentar atingir as pessoas que não fazem parte desse circulo, apesar do fato de que esses estão em situação de profundo desespero, amedrontados e sem dinheiro, e sem condição de se estabelecer como pensadores. Uma situação critica, onde o pensamento plural é esmagado. Onde o ser que pensa e cria sua arte pessoal é tratado como indigente. Afinal, arte é individual, não existe arte coletiva, e a ditadura do pensamento coletivo, que de fato não existe, os transforma em monstros.
É isso!
Abraço e obrigado pelas perguntas.

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