Encarniçado: Uma Farsa em Forma de Comédia
Barata Cichetto
A minha existência sempre foi de erros uma comédia
Dramáticos desacertos parecidos com uma tragédia
Que nenhum grego ousaria incluir numa enciclopédia.
Por tradição ou por desgosto cometo erros repetidos
Junto à teimosia, erros que nunca serão consentidos
E a covardia dos acertos que jamais serão cometidos.
Em minha Comédia de Erros gargalha uma plateia
E sua gargalhada parece uivo de lobos na alcateia
Misturada aos desvios viciantes de uma loba ateia.
E não falta nesta peça medíocre um personagem
Que não seja criado sob a minha perfeita imagem
Da cortesã a oficial de justiça e todos da linhagem.
Também não há nomes, nenhum papel secundário
Pois nem todos cabem dentro deste meu breviário
Que por falta de melhor termo chamo de bestiário.
Acaso falasse das pessoas em minhas tórridas fábulas
Decerto precisaria eu de uma dúzia e meia de rábulas
A defender-me dos próprios erros, a corja de crápulas.
É preciso que eu avise ao ávido leitor destas escritas
Que busca tragédias de forma nunca antes descritas
A nelas encontrar as suas próprias comédias restritas.
E aos que buscam meus erros até no jeito de escrever
Arguindo sobre minha arrogância em farsas descrever
Que bebam o veneno que por hora estou a prescrever.
Aviso ainda aos que apontam erros de língua inculta
Dizendo, o vate não escreve sonetos em norma culta
Que os trato aos chutes e pontapés, da forma adulta.
Ah, os que riem de minha comédia, meus comparsas
Pois que não são comédias e nem tragédias esparsas
Mas sim e absurdamente, peças representando farsas.
Por que gargalhas tanto quando a graça não é minha
Ainda não percebes que desgraça era só o que tinha
Em tragédias alugadas nos lugares de onde eu vinha?
O espetáculo acabou, e riram muito deste encarniçado
Pois que paguem aqueles que não acharam engraçado
E depois chorem rios sobre o tumulo de um desgraçado.
6/5/2013
Prompt: A partir deste poema, escrito por Barata Cichetto, escreva um conto de ficção-científica. Use de 1.000 a 1.500 palavras.
Comédia de Erros no Fim do Universo
No ano de 3487, a humanidade já não habitava a Terra. Ela havia partido há séculos, fugindo de um planeta devastado por mudanças climáticas extremas e a exaustão de recursos naturais. A humanidade encontrara seu novo lar em Asterion, um planeta distante e artificialmente terraformado, cuja maior peculiaridade era um céu perpétuo de tons violeta, sempre pairando sobre suas cidades cintilantes.
Neste mundo de tecnologia avançada, as falhas humanas haviam sido, ao menos em tese, eliminadas. Inteligências artificiais analisavam cada decisão, garantindo que não houvesse espaço para erros, tragédias ou o acaso. Era um mundo de precisão, de cálculos impecáveis e previsões infalíveis. Mas, como o poeta Barata Cichetto escreveu milênios antes, “a existência é feita de erros”.
A Tragédia de Eron
Eron Dexel era um programador secundário, uma profissão pouco prestigiada em Asterion. Ele trabalhava na manutenção de narrativas de entretenimento virtuais, revisando histórias geradas automaticamente para os “Auditórios Infinitos”, espaços onde os cidadãos passavam seu tempo livre vivendo dramas e aventuras projetados diretamente em suas mentes.
Eron não se destacava por sua competência. Seu histórico era uma lista interminável de erros cômicos: inserir o protagonista errado na narrativa de uma tragédia épica, gerar um dragão numa ópera romântica, ou até mesmo transformar vilões terríveis em bufões. Para sua sorte, o sistema tinha margem para corrigir suas falhas rapidamente.
Mas, no dia em que ele recebeu a tarefa de reescrever uma tragédia grega clássica — Édipo Rei — Eron, pela primeira vez, sentiu o peso da responsabilidade. Seus superiores estavam ansiosos, pois a peça deveria ser exibida ao Conselho Supremo de Asterion, um grupo de líderes cuja aprovação garantiria à empresa de entretenimento bilhões de créditos energéticos.
“Você não pode errar desta vez”, disseram os supervisores a Eron, cujas mãos suavam profusamente enquanto ele digitava os comandos no console.
A Farsa em Movimento
Eron finalizou o roteiro, mas no último instante decidiu incluir algo especial: uma linha de código que permitia que os espectadores interagissem diretamente com os personagens. Era um toque pessoal, uma ideia ousada para impressionar seus superiores. Ele ativou o programa e a tragédia começou a rodar.
No entanto, em sua pressa e nervosismo, Eron inseriu uma variável errada. Ao invés de um drama grego meticuloso, Édipo Rei transformou-se numa comédia de erros absurdamente surreal.
Édipo, ao invés de fugir de Tebas ao saber da profecia, decide abrir um restaurante de comida grega.
Jocasta torna-se uma investigadora particular tentando desvendar mistérios triviais.
O oráculo de Delfos é uma máquina de café que só responde perguntas quando recebe moedas.
E o Conselho Supremo, cuja audiência seria o clímax do evento, não conseguiu conter o riso diante das situações ridículas que se desenrolavam.
“Que obra magnífica!”, exclamou um dos conselheiros. “Uma farsa que espelha a tolice da humanidade em seu núcleo mais profundo!”
Eron, sem entender a reação, foi promovido imediatamente.
O Encarniçado
Nos dias que se seguiram, Eron tornou-se famoso. Ele foi chamado de “O Encarniçado”, um apelido que misturava ironia e reverência, simbolizando sua luta incessante contra os próprios erros. Ele tentava explicar que tudo fora um acidente, mas ninguém acreditava.
“A genialidade está na farsa!”, diziam. “Eron reinventou o conceito de tragédia!”
A fama, no entanto, tornou-se um fardo. Em um mundo onde tudo era perfeito, o erro de Eron trouxe caos, e o caos era embriagante. Sua tragédia transformada em comédia abriu as portas para uma nova era de entretenimento. Agora, todos queriam falhas em suas narrativas. A precisão previsível de Asterion havia se tornado monótona.
Eron foi forçado a replicar sua “genialidade”, mas sem sucesso. Seus novos roteiros eram meticulosamente planejados para parecerem errados, e o público odiava cada tentativa.
“Não é o mesmo!”, reclamavam. “Cadê a espontaneidade? Cadê a alma da farsa?”
O Último Código
Desesperado, Eron começou a questionar a própria existência. O que ele realmente queria? Havia sentido em ser conhecido como um gênio por algo que ele nunca intencionou criar?
Certa noite, sozinho em sua pequena sala de controle, ele olhou para o código do sistema principal de Asterion. A ideia surgiu de repente, uma centelha de loucura: e se ele escrevesse um erro diretamente na matriz que sustentava toda a sociedade?
O plano era simples. Ele inseriria uma variável aleatória que permitiria à humanidade sentir novamente o gosto do erro, da falha e da tragédia.
Eron hesitou antes de apertar o botão de execução. Seria isso um ato heroico ou apenas mais um erro grotesco em sua longa lista?
Ele clicou.
O Novo Asterion
Nos meses que se seguiram, Asterion mudou. Pequenos erros começaram a surgir: um transporte que desviava da rota, um alimento que tinha o tempero errado, uma previsão climática que não se realizava.
No início, houve pânico. A sociedade perfeita parecia estar desmoronando. Mas, lentamente, as pessoas começaram a se adaptar. O inesperado trouxe consigo risadas, histórias e novos laços humanos.
Eron desapareceu, sua identidade apagada do sistema. Alguns diziam que ele vivia escondido em algum canto remoto do planeta, escrevendo buracos na terra, plantando árvores e lembranças. Outros acreditavam que ele havia sido absorvido pelo próprio código que criara.
Asterion, entretanto, tornou-se um lugar mais vibrante, uma comédia de erros e acertos, onde até mesmo as tragédias tinham espaço. Afinal, como escreveu um poeta de tempos antigos:
“Pois que paguem aqueles que não acharam engraçado, e depois chorem rios sobre o túmulo de um desgraçado.”
12/12/2024
Versos Reescritos Pela Máquina (ou Merda d’Artista)
Barata Cichetto e ChatGPT
Prefácio: Santo Xavier
Gênero: Poesia / Conto
Ano: 2024
Edição: 1ª
Editora: BarataVerso
Páginas: 192
Tamanho: 16 × 23 × 1,20 cm
Peso: 0,400
Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador.