Atualizado em: 30/10/2024, as 10:10
Um dia conheci um Lou Reed. Que do nada apareceu no meu feed. E ele não era de Nova Iorque. Terra do Roque. Mas do Amazonas. Terra de índios e de zonas. Segundo pensam os indigenistas. E falsos artistas. Ele tinha na boca um cigarro amarrotado. E parecia há pouco ter arrotado. Mas eu sabia que com certeza. Era Lou Reed pela falta de sutileza. E pelos traços de tristeza. E inconcreta e incompleta beleza. Foi isso há tempos, quando o outro ainda vivia. Sua poesia ainda fervia. E eu pelas esquinas da Boca do Lixo ainda o ouvia. Agora separando o que era bom do que não servia. Foi assim, e não assado. Que um dia no passado. Não tão remoto. E decerto antes do terremoto. Conheci meu amigo. Que parece algo muito antigo. E que sempre digo. Ser meu melhor abrigo. E falo agora com clareza. Com toda absoluta certeza. E com a mais cristalina clareza. Que pertence meu amigo à nobreza. São três mil quilômetros a nos separar. Decerto jamais iremos nos encontrar. Mas deixe ser, deixe estar. Que seremos amigos até nada mais restar. E eu que sequer conheço seu rosto. Que acredito ser de Lou Reed o oposto. — Penso então em outros amigos que foram embora. Alguns há muito, outros agora. Porque a velha puta senhora. Que das almas fracas se assenhora. E quando lembro apenas lamento. Numa mistura de alegria e sofrimento. Porque perder um amigo é sempre tormento. Mas falsidade é pior que casamento. Concluo agora que quando dizemos. Que uma amizade perdemos. De fato não compreendemos. Porque é com as partidas que as chegadas entendemos. Lamento os amigos que foram. Mas muito mais os que nunca vieram. — “Mas não se preocupe meu amigo, com os horrores que lhe digo”. Porque isso é apenas um vômito porco. De um falso poeta mouco. E que por pouco. Não vira um verdadeiro escritor louco. Caminho sobre botas de salto alto. E por nada quase salto. De cabeça no asfalto. Porque da vida sempre fui a vítima do assalto. — Estou cansado de vomitar as tripas. E me deitar sobre as ripas. Queria ter alegria do empinador de pipas. E do cheirador de tulipas. Queria sair para comemorar. Não para minha desgraça rememorar. Sorrir de demorar. E na alegria desmoronar. Queria perto de mim meus amigos. Novos e antigos. Sem pensar nos perigos. E temer os castigos. Abro então uma garrafa cerveja. Que apenas me enseja. A solidão que me deseja. E na calçada em frente ao bar a solidão me despeja. Vou até o centro da cidade. Esperando que toda aquela eletricidade. Me traga alguma felicidade. E até quem sabe alguma reciprocidade. Encontro tudo fechado. Com chave e cadeado. Lá tem apenas soldado. E vagabundo viciado. Lembro de Pessoa e procuro uma Tabacaria. Mas apenas encontro a churrascaria. E como é moda um monte de qualquercoisaria. Tudo um monte de porcaria. Compro uma caneta tinteiro de um ambulante. Que por óbvio ululante. Acaba a tinta quando escrevo elefante. Jogo-a no lixo um passo adiante. Na esquina da Brasil com a Gonçalves Dias. Encontro duas vadias. Que em nada me parecem sadias. E fogem de mim como porcas arredias. Claro que pensam as desgraçadas. Coisas que a elas são engraçadas. Que sou um estupido idoso. Mal acabado e perigoso. E fogem como se eu fosse um leproso. Desgraçado e belicoso. Mas ainda penso comigo: nada tema. Que “no vale das sombras da morte” não haverá problema. E ainda me digo: é o Sistema. Que causa essa pustema. Outra esquina e um maldito Guarda Civil. Me encara como se fosse eu egresso do covil. E pede que eu me retire da praça. Porque ela não é de graça. Dizendo que por decreto do Prefeito. Aquele tal mal sujeito. Ali eu não posso respirar. E assim tenho que me retirar. Ou ele usará da força necessária. E até a desnecessária. Penso em voltar. Ao meu supremo e consagrado altar. Mas ainda preciso saltar. Antes de finalmente me revoltar. Então dou meia volta. Tentando acalmar minha revolta. Ando pelos tais “Caminhos de Loyola”. Escritor de camisola. E percebo que mais que uma gaiola. É tão sem gás como uma lata de Coca-cola. Sigo pela Voluntários da Pátria. Que querem mudar para Voluntárias da Mátria. E tropeço nos paralelepípedos saltados. Que foram asfaltados. E na sombra dos oitis. Que comigo são amáveis e gentis. Observo urubus no telhado. E ainda escaralhado. Sigo pelas ruas como um perdido. Me sentindo sujo e encardido. Apenas querendo um amigo para conversar. E quem sabe versar. E até tergiversar. E depois até me dispensar. Encontro uma livraria. Que longe de toda essa porcaria. Me parece o templo de uma confraria. E ali eu ficaria. O restante dos tempos na cidade dos Britos. Onde porcos e cabritos. Decidem aos gritos. Quem serão os proscritos. E o dono da Livraria. Como a pessoa da Tabacaria. Sorri e me mostra a tabuleta. Que com o rodar da ampulheta. Como os livros de sua estante. E todo o restante. Então eu, escritor inconstante. Esperarei um instante. E desaparecerei. Do jeito que sempre me desesperei. E nada como nada serei. Como o nada que nunca esperei.
19/05/2024
Do Livro:
Vômito de Metáforas
Barata Cichetto
Gênero: Crônicas Poéticas
Ano: 2024
Edição: 1ª
Editora: BarataVerso
Páginas: 248
Tamanho: 20 × 20 × 1,50 cm
Peso: 0,500
Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador.
O ‘Lou Reed’ do Amazonas, onde tem roque e índios, fica, não apenas embevecido, mas profundamente grato por tamanha lisonja, reiterando a amizade separada pela longa distância, mas muito próxima com apenas alguns cliques.
Não é lisonja, é a mais pura e cristalina homenagem, feita da minha forma tosca de ser e de escrever, a você, meu caro amigo “Lou Reed do Amazonas”, que por tantos anos tem apoiado meu trabalho, e mais que isso, sido um verdadeiro amigo, para todas as horas. E sempre digo, que se um dia for a Manaus – já que de outra forma, pelo que sei será impossível, já que esse Lurridi aí tem medo de avião – ficarei no aeroporto esperando por um sujeito que seja a cara do novaiórquino. . Brincadeiras à parte, mais uma vez obrigado pela sua amizade.
Nem de longe tenho a cara de LR, mas sou quase tão feio quanto ele.
E, quanto a amizade, a recíproca é a mesma. Sigamos pois, nela, natural e espontânea.