Vômito de Metáforas | Quero Ver Izaura Soltar Sua Risada e Francisco Gozar Nas Cuecas

Atualizado em: 30/10/2024, as 10:10

Meu avô que era loiro de olhos azuis. Feito o Médice. E o Chico. Também era Francisco. E morreu do coração. No meio de ato. De prazer e adoração. Como condecoração. Era feito eu tão magro. Que parecia um mago. Analfabeto e gago. Mas que sabia que o trabalho duro. Era o único seguro. Que a um homem nem tão puro. A vida lhe garantia. A exata quantia. Velho rude e grudento. Era o sustento. E o único alento. A uma prole imensa. Que não via recompensa. E que de tão extensa. Era propensa. A prostituição. Pois não basta a intuição. É preciso acreditar no que é inato. E sendo criação ou fato. Na terra ou no mato. Caráter se mede com a régua. No lombo de uma égua. E se sabe a uma légua. Quem é bom de verdade. Ou tem na algibeira a maldade. E troca a liberdade. Por um prato cheio de beleza. Onde o tempero é a tristeza. Meu avô materno. Que não usava gravata nem terno. Nem era fraterno. Poderia ter morrido em outro instante. Baleado por um amante. Ou arrastando uma estante. Porém morreu com as cuecas nos joelhos. Com olhos vermelhos. Não como os coelhos. Que ele mesmo abatia a pauladas. Ou os porcos a estiletadas. E galinhas estranguladas. Morreu aquele homem tão rico e tão nobre. Tão plebeu e tão pobre. E que hoje o lhe cobre. É a do Cemitério da Saudade. Enquanto eu contra minha própria vontade. Reconheço a genialidade. E entendo que nas minhas veias proeminentes. Como nas dele e seus antecedentes. Se encontram meus precedentes. Hoje já não tenho mais asco. De seus olhos de carrasco. E a cor vermelha de basco. E me embalo no véu da esperança. E feito uma maldosa criança. O chamo para uma dança. Enquanto Izaura com seu sorriso maroto. Me diz que sou um bom garoto. Por dançar com o escroto. Engenheiro iletrado. Estrangeiro maltratado. Dele herdei a tábua e o estrado. Assim como a magreza. A estranha beleza. E a mais sórdida malvadeza. Filho de dois. Neto de quatro e o que vem depois. Não cabe na minha rima. — Então penso na minha prima. Que era de sua estima. A primeira que me bateu uma punheta. Me deu sua buceta. E depois por vendeta. Casou com um cigano. Filho de um carcamano. E depois de um ano. Disse que dava trabalho. Chupar seu caralho. E pegou um atalho. E antes do almoço. Enrolou uma corda no pescoço. Deixando um viúvo tão moço. — Quanto ao Veio Chico que não é o rio do Nordeste. Nem um velho cabadapeste. Há quem ainda o ateste. Mas ele ainda vive nos seus vasos de plantas. No mundo dos sacripantas. E todas as noites antes de todas as suas jantas. Sai para jogar bocha e comer provolone. Com uma dose de Cynar. E seu cigarro de palha fumar. Depois voltar para casa como qualquer velho da minha ou sua idade. Em busca da felicidade. Que só encontrará na eternidade. — Admito agora que no olho me cai um cisco. E acho que pode se chamar Francisco. Esse fragmento traidor. Que me faz sentir um pecador. No auge de sua dor. E se lágrimas não derramo. É porque a ninguém mais amo. E porque não me chamo. Pelo nome. Nem sequer o sobrenome. De quem ainda me consome. Eu que há mais de cinquenta anos. Tinha meus enganos. Engenheiro e construtor dos meus planos. E o que herdei além das veias saltadas e um dente. Foi um velho pente. E a sua maldade de serpente.

26/05/2024

Do Livro:
Vômito de Metáforas
Barata Cichetto
Gênero: Crônicas Poéticas
Ano: 2024
Edição:
Editora: BarataVerso
Páginas: 248
Tamanho: 20 × 20 × 1,50 cm
Peso: 0,500

Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador

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Genecy de Souza
Genecy de Souza
13/06/2024 22:55

Uma história que já conheço de outras leituras, desta vez recontada de modo (creio) lírico, acrescida de um pouco de amargor por um ascendente de duras lembranças, e das boas lembranças da doce Izaura.

Barata Cichetto
Administrador
Responder a  Genecy de Souza
13/06/2024 23:20

Sim, já falei muito de Izaura, minha querida avó, analfabeta, e a pessoa mais sábia que já conheci. E enquanto viver vou falar dela, que se foi há mais de quarenta anos, mas que não tem um dia que dela não me lembre.

Genecy de Souza
Genecy de Souza
Responder a  Barata Cichetto
16/06/2024 20:17

É assim que funciona: a morte leva apenas o corpo. Tudo o mais permanece muito vivo.

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