Atualizado em: 30/10/2024, as 10:10
Eu bem que tento falar de coisa bonita. Mas, ninguém acredita. É só palavra maldita. Que sai da minha boca expedita. Eu bem queria falar de flores. De Marias e Dolores. Mas apenas conheço as cores. Que pintam as dores. Tento escrever bonito. Porque até acredito. Que algum São Benedito. Ou outro Santo Proscrito. Me proteja do que eu tenha dito. Precisaria falar que o pecador. Não é igual ao pescador. E que santo não é caçador. Que caça o pecado de cima do andor. Queria cantar a beleza. Fazer odes a Cristina e Tereza. Mas minha eterna tristeza. Faz parte da minha natureza. Quero contar sobre coisas belas. Como aquarelas. E coloridas janelas. Mas apenas pinto de preto minhas telas. — Sei que na poesia não poderia faltar. Falar da santa e seu altar. Mas vejo a rua escura sem asfaltar. E penso como posso da vida saltar. Queria agora mesmo estar falando de punheta. De foder buceta. Pensando em porpeta. E no conto da mula preta. Seria preciso falar sobre a fome. Dos que não têm nome. E nem sabe o que é pronome. E nem quando dorme. Bom mesmo era louvar a criança. Despertar a esperança. Louvar a bailarina que dança. E acreditar na mudança. Mas tenho em meu peito. Aquela tal dor sem jeito. Que disse o médico suspeito. Ser um fatal defeito. É uma dor pungente. Que me faz ser urgente. Nas coisas de gente. E ser insurgente. Queria falar sobre carinho dos filhos. Das estrelas e seus brilhos. Mas me impedem os trilhos. De cantar estribilhos. — Eu até tentei cantar. Mas foi antes do jantar. Que tive que me levantar. E ainda com fome fui vomitar. Seria muito bom falar sobre esculturas. Louvar as escrituras. Agradar todas as criaturas. E adorar as estruturas. Acontece que sou igual aos perversos. E assim só escrevo versos. Que desencantam universos. E contrariam os controversos. Tenho pés sujos da tua imundice. Escarro na tua crendice. Desdenho da tua candice. E cuspo na tua sandice. — De tanto ser escorraçado. Me senti até um cara engraçado. Mas meu peito desgraçado. Se sentiu embaraçado. Na calada da noite turva. Procuro uma reta ou uma curva. Onde haja uma bunda ou uma vulva. Que aos meus desejos se encurva. Escrevo minha poesia como cachorro que espuma. Que morde quem se perfuma. Um cão de rua que bebe e que fuma. E que com qualquer cadela rua se arruma. Sou tal ao bêbado da esquina. Que tem uma desdentada concubina. Que se chama Clementina. E trabalha o dia inteiro na oficina. Na rua coça o saco. Cheira bosta no sovaco. E pisa em pedra de vidro em caco. Curando a ferida com urina e tabaco. Um dia me chamaram de maldito. E hoje eu até acredito. Porque depois de tanto feito dito. Tem um monte de malfeito escrito. Pago bebida com nota amarrotada. Depois da bebida solto uma arrotada. Bem na frente da vadia derrotada. De cachaça e tristeza abarrotada. Sou aquele que todas as manhãs morre. À tarde com cerveja se socorre. E aos escritos infames recorre. Mas à noite como sangue escorre. De manhã me masturbo com pornografia. De tarde escrevo errado minha autobiografia. De noite me equivoco com a geografia. E de madrugada erro na gramática e na hortografia. De tanto erro que cometo. Sempre a mim mesmo prometo. Que um dia escreverei um soneto. Falando de cicuta misturada com cianeto. Trato a morte com candura. A depressão com brandura. E amaldiçoo porque perdura. A maldita morfética ditadura. — Um dia garanto que falarei de saudade. De bondade. De felicidade. E até de simplicidade. Mas até lá fica apenas como promessa vazia. Que eu sempre fazia. E a todos dizia. Que era por causa da afazia. Termino agora outro vomitado metafórico. Um tanto morto e outro eufórico. Mas sempre lúcido e categórico. Achando que minha crônica nunca será um fato histórico.
22/05/2024
Do Livro:
Vômito de Metáforas
Barata Cichetto
Gênero: Crônicas Poéticas
Ano: 2024
Edição: 1ª
Editora: BarataVerso
Páginas: 248
Tamanho: 20 × 20 × 1,50 cm
Peso: 0,500
Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador.