Atualizado em: 30/10/2024, as 10:10
Eu queria escrever poesia como se escreve receita de pudim. Falar primeiro dos ingredientes. E depois descrever. O modo de fazer. Acontece que poesia não é de comer. Nem de ver. Nem mesmo é de escrever. Poesia é de viver. Crer para ver. Coisa fútil do sobreviver. Coisa inútil do viver. Mas o que seria de nós sem essa poesia. Pergunta o poeta que não sabe. Seria o que é agora sem qualquer diferença. Porque poesia não é sentença. É só a crença. Não do crente na igreja. Mas no boteco da cerveja. Ou qualquer lugar que seja. Porque poesia é coisa ordinária. Binária. E embora centenária. Prima pela ingenuidade. E sem a modernidade. Chora de saudade. Da irmandade. E na promiscuidade. Busca seu cobertor. E eu, puro desertor. Confesso que nunca quis ser poeta. Mas um consagrado escritor. Um renomado autor. De novelas das oito. Falando da lésbica casada. E que recusada. Foi acusada. De ser da história a bandida. E a mais querida. Pelo telespectador onanista. Que acha que ator de novela. É uma vela. Para o santo protetor. E que o personagem é dele mesmo o escritor. Penso eu agora no próximo capítulo. Ainda sem título. Que é tão ridículo. Quanto o anterior. E melhor que o posterior. É que cá no interior. A gente chama de lombriga. Qualquer bicha que briga. E acha que qualquer artista. Seja coadjuvante ou protagonista. É comunista. E que todo cirurgião é dentista. Mesmo se não for. — Mas como eu dizia. Quero fazer poesia. Do jeito que fazia. O mestre Augusto. Que era dos Anjos. Ou o outro que era da França. Mas não tinha na esperança. Na voz da morte a lhe bradar: Avança. “E eu que vivo atrelado ao desalento. Espero o fim do meu tormento. Na voz da morte a me bradar”: Vai se foder poeta sem eira nem beira. Que na minha cadeira não irás sentar. E eu que feito um prisioneiro. Pergunto solenemente ao porteiro. Quando chegará o próximo Janeiro. Se ainda tem um ano inteiro. Pergunta-me o que é poesia o redator do jornal. Um sujeito anormal que usa chapéu e embornal. E diante do silenciar da minha resposta. Ele dobra a aposta. E diz que ele mesmo não gosta. De poeta e nem de artista. E brada que todo poeta é ateu e comunista. E acrescenta que também é viado. Penso agora que eu devia ter enfiado. No cu daquele camarada. O cano da minha garrucha. E disparado na bucha. — Faço da poesia minha existência. Com atestado de residência. Ou na sua ausência. Atestado de Óbito. Carimbado e autenticado. No cartório central. Onde um escrivão. Assiste televisão. E nem sabe mesmo o que é a revisão. Do meu poema insano. O último que escrevi há um ano. E depois ainda me chega a dona do cartório. Que é quase um terrestre purgatório. Do Inferno o escritório. E me faz um aterrorizante interrogatório. Me pedindo um laudo comprobatório. Sobre ser minha poesia um testemunho propiciatório. Ou se é apenas um poema aleatório. Acho isso muito contraditório. E até vexatório. Já que ninguém nunca disse que na poesia é obrigatório. Provar a existência do que é lírico. Empírico. Satírico. Onírico. É que ela desconhece o que é eu-lírico. E pensa que algum sujeito chamado Eurico. Que escreve errado seu próprio nome. E não se lembra do sobrenome. — Relembro agora que a verdadeira poesia é oral. Imoral. Desde os tempos sem memória. Da história. E se assim não fosse eu jamais poderia fazer uma poesia rimando cansa com avança. O som é o que importa. A entrada e não a porta. Mas quem hoje se importa. Com a poesia escrita ou falada. Quando ela está morta? — E por fim pergunto ao poeta: o que importa. Se escrevo um poema em linha torta. Ou agulha reta. Se costuro uma poesia concreta. Ou mesmo se poesia anda de carro ou de bicicleta. Quando a única coisa para a poesia é a morte certa.
09/05/2024
Do Livro:
Vômito de Metáforas
Barata Cichetto
Gênero: Crônicas Poéticas
Ano: 2024
Edição: 1ª
Editora: BarataVerso
Páginas: 248
Tamanho: 20 × 20 × 1,50 cm
Peso: 0,500
Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador.